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Papel higiênico

11 de Outubro de 2020, por José Antônio

Lá estão eles. Empilhados, aos rolos, como serpentinas gigantes de um carnaval grotesco. Uns até têm fragrância e cores variadas. Papel higiênico lilás, amarelo, verde... papel higiênico com perfume de lavanda... Cores, olores e flores trabalhando juntos para darem um toque especial ao vaso.

Não gosto de comprar papel higiênico, acho constrangedor. Já me falaram que isso é frescura de minha parte, que papel higiênico é a coisa mais natural do mundo.

– Ah, é? Então faz o serviço no seu banheiro e use o papel higiênico no meio da rua. Cadeia, cara! Atentado ao pudor. O papel higiênico não vai limpar a sua barra.

Não adianta. Compro esse troço por obrigação... ou melhor, por necessidade. No supermercado, olho para os lados, verifico se tem gente vendo, pego um, dois, cinco pacotes (quanto mais melhor, pois assim você fica muito tempo sem precisar comprar), coloco-os debaixo de outras compras e vou tampando como posso as entranhas do meu carrinho.  

Tem gente que não está nem aí. Mês passado, vi uma mulher correndo com uns pacotes de papel higiênico em pleno supermercado. Gritava para o marido:

– Bem, ô bem! A gente esqueceu o papel.

Tudo numa boa. É de se admirar.

E no caixa? Cheguei lá com o carrinho. Nenhuma mercadoria teve problema com o código de barras. Pois o papel higiênico teve. A moça pegou os pacotes, levantou, olhou, na tentativa de descobrir o que estava acontecendo. Atrás de mim, uma fila como testemunha do meu mico sanitário-social. Por fim, ela digitou o código, mas nem assim a coisa funcionou. Prisão de ventre no sistema.

Aí, a moça gritou para o outro caixa:

– O papel higiênico desse moço não quer passar.

– Passa mais devagar que vai, se passar depressa tudo desanda – respondeu o outro, numa didática de latrina.

– Nem devagar a coisa pisca por aqui.

Estavam borrando a minha dignidade. Quando já iria desistir dos rolos, a luzinha acendeu e o sistema voltou. Paguei e saí com a cara lilás, a circulação sanguínea toda concentrada no rosto. Vergonha total.

“Você é muito recalcado”, dirá você, leitor. De repente, sou recalcado mesmo. No entanto, não ouso tirar o tampão do meu inconsciente, pois não há papel higiênico que limpe tanta... tanta... deixa pra lá!

Meu amigo Marcus Vinicius de Andrade Peixoto é especialista em Filosofia e existencialista por preguiça. Acabou de escrever um artigo sobre as introspecções do Ser na emergência da sublimação do Nada. Na verdade, o artigo conclui tudo sobre nada.

Marcus Vinicius de Andrade Peixoto tem um bom papo-cabeça. Ele ouviu minha história, escutou minhas angústias e opinou, enfim, sobre o papel higiênico, numa típica filosofia WC (Without Constraint):

– Tô cagando e andando! 

Comentários

  • Author

    José Antônio Oliveira de Resende, como não rir diante do diferente tão bem trabalhado? Sua crônica lembrou - me Fernando Pessoa: " O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a sentir que é dor , a dor que deveras sente." O tempo todo você trabalhou o texto de forma muito engraçada, como se sentisse acanhado ao comprar o "papel higienico". Valeu! Você alcançou seu objetivo! Parabéns!


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