Voltar a todos os posts

LAUDATO SI, mi Signore

16 de Julho de 2015, por João Magalhães

O espaço da coluna e a disposição dos leitores não permitem mais que uma breve conversa, uma rápida recensão da Carta-Encíclica: Laudato si (italiano antigo do Cântico das Criaturas atribuído a São Francisco) do papa Francisco, a primeira inteiramente de sua lavra.

A encíclica estava ansiosamente aguardada, sobretudo pelos cientistas. E a repercussão pelo que até agora li, está sendo intensa e positiva: “O texto papal vincula o problema ambiental à questão moral. Francisco faz questão de mostrar que não são campos estanques. E aqui reside o sentimento profundo da proposta do papa” (O Estado de São Paulo, Editorial). “O documento é eloquente e inteligente, principalmente na maneira como trata do aspecto científico” (Farred Zakaria, do Washington Post). “É a primeira vez que a maior instituição religiosa do mundo dedica um pronunciamento dessa magnitude ao bem-estar do planeta” (The Economist).

A carta prima pela clareza. Uma linguagem muito acessível, sem prejuízo da profundidade. Veja o 1º parágrafo: Laudato Si, mi Signore – Louvado sejas, meu Senhor, cantava São Francisco de Assis. Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”.

Pela destinação: enviada a todo o ser humano e às comunidades de todo o planeta. Francisco: “Esta encíclica está dirigida a todos que possam receber sua mensagem e aumentar sua responsabilidade sobre a casa comum, que Deus nos confiou”.

 Pela intensa colegialidade. Dá voz aos bispos e Conferências Episcopais de todos os continentes. Algumas citações (mais de 15) incisivas e corajosas, como esta do episcopado paraguaio: “Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa estabelecer o seu lar, trabalhar para a subsistência da sua família e gozar de segurança existencial. Este direito deve ser de tal forma garantido, que o seu exercício não seja ilusório mas real. Isto significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado”.

Pela abertura e respeito ao pensamento dos outros. Como mostra esta citação de um mestre islâmico: “Um mestre espiritual, Ali Al-Khawwas, partindo da sua própria experiência, assinalava a necessidade de não separar demasiado as criaturas do mundo e a experiência de Deus na interioridade. Dizia ele: ‘Não é preciso criticar preconceituosamente aqueles que procuram o êxtase na música ou na poesia. Há um segredo subtil em cada um dos movimentos e dos sons deste mundo. Os iniciados chegam a captar o que dizem o vento que sopra, as árvores que se curvam, a água que corre, as moscas que zunem, as portas que rangem, o canto dos pássaros, o dedilhar de cordas, o silvo da flauta, o suspiro dos enfermos, o gemido dos aflitos…” (Eva De Vitray-Meyerovitch (ed.), Anthologie du soufisme, Paris 1978)”.

Pela justa hermenêutica (expressão sua) dos textos bíblicos. Como exemplo: “Foi dito que a narração do Gênesis, que convida a ‘dominar’ a terra (cf. Gn 1,28), favoreceria a exploração selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma interpretação correta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas”.

Pelo profundo humanismo que está na tessitura de todo o escrito, o que logo se percebe a partir dos belos títulos dos seis capítulos:1. O que está a acontecer à nossa casa; 2.O Evangelho da criação;3. A raiz humana da crise ecológica; 4. Uma ecologia integral; 5.Algumas linhas de orientação e ação; 6. Educação e espiritualidade ecológicas.

 

Enfim, pela prudência, pois não entra nas polêmicas científicas, mas nem por isso deixa de tomar posições; pela franqueza em alertar para as dramáticas condições da água, da biodiversidade, das desigualdades etc.; pela objetividade das denúncias.

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário