Rosalvo Pinto, nosso diretor de redação, que prepara uma reedição de seu livro sobre os inconfidentes, José de Rezende Costa (Pai e Filho) e o Arraial da Lage”, pediu-me uma opinião sobre um questionamento feito por eruditos em torno do lema “Libertas quae sera tamen”, que seria colocado na futura bandeira da república, caso tivesse sucesso a Conjuração Mineira. Bandeira essa que se tornou o bonito pavilhão do Estado de Minas Gerais.
Eis o debate. Alguns especialistas em latim, sobretudo os estudiosos do grande poeta latino, Virgílio, acham que os inconfidentes cortaram, erradamente, o verso do poeta: “Libertas quae sera tamen respexit inertem”, para escolher a frase-emblema da bandeira. A secção correta seria apenas: “Libertas quae sera”.
Trata-se do primeiro verso da estância seis da primeira écloga* (ou égloga) da obra poética As bucólicas de Virgílio. Écloga é uma poesia pastoril, em geral dialogada, versando sobre assuntos do campo, da flora, da fauna etc.
Acusam os inconfidentes de violentar a sintaxe do poeta. Para explicar, cito todo o período, com a respectiva tradução literal:
“Libertas quae sera tamen respexit inertem
Candidior postquam tondenti barba cadebat;
Respexit tamen et longo post tempore venit
Postquam nos Amaryllis habet, Galatea reliquit”.
“A liberdade que (é) tardia, contudo olhou (para mim) inerte
Depois que a barba caía mais branca de mim, que a cortava;
Olhou para mim, todavia, e veio depois de longo tempo
Depois que Amaryllis me tem e Galateia me deixou”
Concordo com os entendidos. A inclusão do“tamen”na oração adjetiva “quae (est) sera” pelos inconfidentes feriu a sintaxe de Virgílio, que integrou esta conjunção na oração principal, sem dúvida, pois ele repete este “tamen” no terceiro verso e no mesmo sentido.
Parece, inclusive, que o poeta tinha uma predileção por esta conjunção coordenativa adversativa “tamen”que geralmente indica uma concessão, pois, repete-a por cinco vezes no poema e a sintaxe é a mesma (versos 19, 28, 30, 57 e 79).
Entretanto, se os conjurados violaram a sintaxe, não machucaram ou feriram a semântica da bucólica, cujo tema é a mágoa, o desespero, a escravidão dos pastores que tiveram suas terras, animais e casas expropriadas pelos generais romanos para distribuí-las a seus soldados. Prática muito frequente por parte dos vencedores. Esta écloga revela aspectos autobiográficos, pois, consta, sem certeza absoluta, que o próprio Virgílio foi vítima.
Os inconfidentes eruditos, acho, sentiram esta situação, expressa na poesia, comparável à situação em que vivia a capitania de Minas Gerais, escorchada em tudo pela Coroa Portuguesa!
Sobretudo, merece elogio a escolha que fizeram do primeiro verso da sexta estância, mesmo truncado, pois viram a luta do pastor Tityro para conseguir a liberdade, que acabou conquistando, embora tardiamente, um exemplo a seguir e um estímulo para a revolta.
Julgo, também, que uma alteração sintática como fizeram: “Libertas, quae sera tamen” (que todavia veio tarde), é admissível. Não altera a semântica do texto, que é o fundamental.
É injusto criticar os inconfidentes por mexer na sintaxe adotada pelo poeta Virgílio. Consciente ou inconscientemente, fizeram esta modificação, mas não danificaram em nada o importante conteúdo do poema.
E, a meu gosto, entre “Libertas quae sera” e “Libertas quae sera tamen”, ficou muito mais sonoro, mais ritmado, mais significativo o “quae sera tamen” da gloriosa bandeira de Minas Gerais!
Quem sabe, até o próprio Virgílio, o grande poeta latino do verso onomatopaico, do verso musical, do verso heroico, também bateria palmas!
É o que penso. E você?
Bandeira de Minas Gerais: “Quae sera”? Ou “Quae sera tamen”?
13 de Novembro de 2012, por João Magalhães
Leitor do JL - 02/12/2012
Libertas/ quae sera/ tamen (respexit)
Respexit tamen. (anáfora deixando em alto relevo a ora-
ção principal).
"que sera" proposição relativa no subjuntivo= ainda que
tenha sido tardia.
qui, quae, quod (concessivo) = cum.
Outras conjunções semelhantes: quamvis, etsi, quamquam, etiamsi, tametsi, tamenetsi,licet,ut.
Os inconfidentes escandiram em torno de um triângulo significantes encapsulando o ideal de liber-
dade.
Um crime de lesa- majestade!
ge sil melo.
Leitor do JL - 16/12/2012
sera///candidior barba///longo post tempore///galathea reliquit - ideia de passado leva o verbo da oração elíptica para o perfeito: quae (fuerit) sera = ainda que tenha sido tardia
Maria S.s. Melo - 26/04/2014
o tamen da oração principal é um expletivo, não introduzindo, assim, oração adversativa. tamen pode aparecer no princípio, no meio ou no fim da fraseÉ frequente o emprego de tamen em paralelismo com a concessiva:quae sera ... tamen/ quamvis sera ... tamen/ licet sera ... tamen. v. blog "lucubrações cerebrinas"