Engenheiros do Caos

ou um nada admirável mundo novo


Vc no JL

Renato Ruas Pinto0

A leitura veio a calhar com a eleição que se avizinha. Recentemente, em várias entrevistas sobre política, cada vez que se tratava de fakenews e a guerra suja de comunicação através de memes e robôs no debate político, o livro “Os Engenheiros do Caos” era sempre citado. Fiquei curioso, fui atrás para conferir se o frisson se justificava e fui positivamente surpreendido com o livro do escritor Giuliano Da Empoli (Vestígio Editora, tradução de Arnaldo Bloch).

O autor trata da nova realidade da disputa política, que saiu do campo dos debates na TV e dos editoriais dos jornais tradicionais para o mundo das notícias (verdadeiras ou não) e memes compartilhados freneticamente no WhatsApp e redes sociais. Ao invés de buscar atualizações em mídias consagradas de TV ou jornais, cujo número dá para contar nos dedos da mão, agora estamos expostos a um universo infinito de sites, blogs e canais de YouTube para todos os gostos do espectro político. E para quem desce nas profundezas da web, a internet permitiu, em sites e fóruns obscuros, a reunião e organização de extremistas, como neonazistas e grupos abertamente racistas.

O objetivo do livro é justamente mostrar como essa nova dinâmica influenciou de modo decisivo eleições recentes de figuras radicais, como Donald Trump, Victor Orban na Hungria, a ascensão da extrema direita na Itália e a votação do Brexit, que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. O autor mostra qual é o modus operandi dessas campanhas e como os novos operadores da política se valem de redes sociais e dos nossos dados pessoais obtidos nesses meios para disparar campanhas de comunicação muito bem planejadas e atualizadas, praticamente em tempo real, para criar mensagens customizadas direcionadas a grupos muito específicos a fim de influenciar a opinião pública.

Na visão do autor, entramos em um caminho sem volta onde um cientista de dados, capaz de analisar em tempo real um volume gigantesco de informação sobre nossas escolhas e comportamentos, tomou lugar de analistas tradicionais que lidavam com pesquisas de opinião com um número muito limitado de parâmetros e cuja validade podia ser alterada da noite para o dia em face de um novo escândalo ou de uma fakenews, que, não por acaso, se tornasse viral.

O autor esmiuça os casos que citei e mostra o caminho seguido nesse combate no front digital. A estratégia é basicamente a mesma em todos os casos e podemos incluir até as nossas eleições de 2018, mencionadas no livro. Após a definição da agenda de comunicação, exploram-se tendências e os dados garimpados em redes sociais para tornar a mensagem o mais personalizada possível, reajustando-a sempre que necessário.

Embora eu tenha seguido discussões sobre essa nova realidade, o livro trouxe algumas informações e reflexões interessantes que destaco aqui. A primeira é que, para a estratégia funcionar, não importa se as notícias e memes difundidos sejam verdadeiros ou não. Basta ganhar popularidade e viralizar para serem realimentados e a mensagem reforçada. Esta viralização pode até acontecer de forma orgânica, mas o primeiro impulso provavelmente será feito via um ecossistema de robôs e perfis falsos.

Segundo, para funcionar, a estratégia dessas mensagens precisa ser centralizada e firmemente controlada por um pequeno grupo e seus escolhidos para serem a face pública do grupo. Ao sinal da menor divergência interna, esses escolhidos são rapidamente descartados e, frequentemente, se tornam vítimas de difamação vinda da mesma máquina de perseguição da qual faziam parte. O aliado de ontem é o inimigo da fakenews de hoje.

Finalmente, a coleta massiva de dados permite a criação de mensagens sob medida para grupos específicos. Isso tem um efeito de favorecer o fortalecimento de bolhas que se unem em torno de um tema, mas também permite atingir bolhas diferentes na mesma campanha, inclusive com mensagens contraditórias. No exemplo da campanha do Brexit, grupos de defensores de animais recebiam mensagens mostrando o quanto a União Europeia era permissiva em termos de maus tratos a animais. Ao mesmo tempo, grupos favoráveis à caça eram alertados pelas regulamentações da UE que restringiam as liberdades dos caçadores. Em outras palavras, as campanhas direcionadas às bolhas permitiam unir grupos díspares em torno da mesma causa.

O autor é lacônico em sua conclusão de que esta será a lógica das eleições daqui em diante. Eu confesso que não sei como podemos combater essas campanhas terríveis de fakenews para tentar chegar a um debate minimamente saudável em que se discutam planos e propostas. Menos histeria e mais discussão. A eleição de 2018 já nos deu uma amostra muito ruim desse nada admirável mundo novo e creio que em 2022 será igual ou pior. De todo modo, a leitura do livro é extremamente recomendada para, ao menos, sabermos com o que estamos lidando e não nos tornarmos vetores inconscientes de propagação dessa sujeira. Resistir ao primeiro impulso de compartilhar algo que recebemos no WhatsApp ou redes sociais e tentar verificar a fonte ou a credibilidade da informação já é um primeiro passo importante. Os próximos passos deverão ser discutidos pela sociedade como um todo.

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