Festas açorianas do Espírito Santo na Califórnia, em documentário premiado


Cultura

José Venâncio de Resende0

Rainha da festa e seu séquito real.

O documentário Estórias por Contar: A Festa Portuguesa no Centro da Califórnia (Untold Stories: The Portuguese Festa in Central Califórnia) acaba de receber o terceiro prêmio desde sua estreia em setembro de 2023. O filme, de 17 minutos sobre as festas do Divino Espírito Santo no centro da Califórnia (EUA), foi produzido pelo Instituto Português Além-Fronteiras (PBBI) da Universidade do Estado da Califórnia em Fresno, como parte das histórias orais levantadas ao longo dos últimos cinco anos. O objetivo é registrar a tradição e disseminar estes festejos junto ao mundo norte-americano. O projeto constou de 90 entrevistas, que estão a ser transcritas para o arquivo digital da biblioteca da universidade.

O documentário recebeu o prêmio de mérito do Accolade Global Film Competition, uma menção honrosa do Global Short Films e, mais recentemente, uma distinção na categoria de filme cultural do Communicator Awards. A importância destas distinções não é só pelo prêmio, mas também pela difusão que é dada às festas do Espírito Santo e de uma forma geral à própria diáspora no mundo americano, segundo Diniz Borges, produtor executivo deste documentário e diretor do instituto universitário PBBI. “Isso tem muita importância para dar significado àquelas tradições que aqueles de segunda e terceira gerações aprenderam com os seus pais ou com os seus avós.”

Dedicado em grande parte à cultura açoriana, o documentário foi produzido por alunos dos cursos de jornalismo e comunicação da universidade, junto com o instituto português e com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). A expectativa de Diniz Borges é de que o filme venha a fazer parte do currículo do novo curso de estudos étnicos que os alunos de 4.400 escolas secundárias no Estado da Califórnia terão de cumprir antes de terminar os seus estudos.

Tradição muito forte

A presença açoriana na diáspora portuguesa da Califórnia, através da tradição do Divino Espírito Santo, continua muito forte culturalmente, observa Diniz Borges. “As festas do Espírito Santo são centenárias na Califórnia - praticamente todas as festas ou já celebraram  ou estão a celebrar cem anos de existência. Há festas já com 120, 130 anos de existência. Houve uma altura em que tivemos 160 festas do Espírito Santo na Califórnia em 130 cidades diferentes. Portanto, algumas com duas ou três festas.”

Atualmente, ainda ocorrem quase 100 festas em louvor ao Divino Espírito Santo em mais de 85 cidades da Califórnia, relata Borges. “É parte da identidade açoriana, mesmo já nas segunda, terceira e quarta gerações.” O documentário justamente tenta mostrar o que é uma festa, particularmente para a comunidade americana de outros grupos étnicos, e preservar esta memória, acrescenta. “Apesar de eu continuar muito otimista, acho que, se algum dia as festas do Divino Espírito Santo morrerem na Califórnia, morre a identidade açoriana.” Isto apesar de estas festas estarem muito ligadas à ideia de que são “simplesmente a festa portuguesa”, pois, quando se fala de festa portuguesa na Califórnia, se refere automaticamente à Festa do Divino Espírito Santo.

Rainha Santa Isabel

Borges cita o exemplo das rainhas das festas que são uma representação da Rainha Santa Isabel. Foram levadas pelos avós ou os bisavós que emigraram para a Califórnia, mas quem faz a festa já está na segunda ou terceira gerações. As capas, muito bem trabalhadas e muito bonitas, nesse momento, são feitas por “praticamente meia dúzia de mulheres, descedentes dos Açores, que fazem 10 a 15 capas por ano, com grande investimento e que normalmente as jovens ficam com elas. Eu conheço senhoras com 65 anos que tem as suas capas que usaram quando tinham 17, 18 anos. Ficam como uma espécie de herança da família”.

Segundo Borges, a oportunidade de coroar e ser coroada rainha nessas festas é um momento muito marcante na vida dessas mulheres. “E, particularmente, quando há, em algumas cidades mais do que em outras, a tradição de se explicar a parte da Rainha Santa Isabel, o trabalho dela não só na criação da própria festa, do seu culto ao Divino Espírito Santo, mas também falar-se um pouco dela como uma motivadora do que nós chamamos hoje as ´Misericórdias´.” Ou seja, “todo o trabalho dela, trazendo da Idade Média para hoje, para o nosso mundo contemporâneo, (mostrando que) seria uma mulher muito ligada à justiça social; e portanto para o mundo americano essa parte é muito importante”.

Borges cita três ou quatro festas interessantes na Califórnia, “em que são as próprias rainhas e as suas aias (são três moças normalmente) - e depois tem uma espécie de séquito real, digamos assim -, que servem as sopas, portanto mostrando um mugadinho da humildade de servir a comunidade”. Embora haja “pessoas, dentro da igreja, que não olham com bons olhos para toda essa pompa e circunstância”, esta “é uma forma de envolver a juventude. Normalmente, a rainha, as suas aias e o seu séquito envolvem 40 a 50 jovens e elas passam essas tradições para os seus filhos e netos”.

Borges considera as festas do Espírito Santo “um amálgama das festas do Divino nos Açores”. Cada cidade, onde há uma comunidade de imigrantes, tem a sua grande Festa do Espírito Santo. E há cidades, onde já não existe imigração há muitos anos - e até o mesmo o estado do Hawai -, que ainda continuam a tradição marcada pelas segunda e terceira gerações. “Portanto, há elementos que foram introduzidos da cultura americana,  mas isso até que é bom porque faz das festas a continuação e uma forma de trazer para o século XXI, pelo menos a Califórnia de hoje.”

Fontes: O Baluarte de Santa Maria e Açores Hoje 

Veja a íntegra do documentário (em inglês): 

Untold Stories: The Portuguese Festa in Central California-PBBI-Fresno State

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