Vi um velho, melhor, o via sempre, sempre com o mesmo caminhar lento, de passos curtos e arrastados, à beira da estrada, das estradas, a literal e a outra.
Não ousava adivinhar seu nome, o preferia como “o velho”, o velho das costas curvadas pelo peso da vida, o velho de pele negra e enrugada pelos anos, o velho de cabelos e barba brancos encardidos pelo negro pó do árduo trabalho, o pó da terra queimada que, misturado ao suor, ressaltava-lhe o aspecto da velhice, de cansaço, de sofrimento.
Tinha ele sempre pendurado em si uma mochila e uma garrafa d’água, na mão trazia uma enxada e ao seu lado um cão, tão encardido pelo pó quanto ele próprio, lhe fazia companhia. Vez ou outra nossos olhares encontravam-se, não mais que por uma fração de segundo, e, ainda assim, sentia como se me despisse o pensamento.
O velho era um homem forte, assim eu cria, já que aquilo que supunha ser seu labor não era tarefa para homens fracos de corpo, e de alma. Sempre que nos cruzávamos os caminhos eu criava breves recordos sobre ele, imaginava suas mãos calejadas ora ferindo a seca terra coberta por fuligem, ora ensacando e empilhando o carvão, perpetuamente calado, introspectivo, concentrado no realizar de seus exaustivos afazeres. Ilustrava, fantasiava, em verdade, o fim de seu dia, seus pés rachados e cansados, felizes por chegar na casa simples, de paredes sem reboco e telhas velhas, feitas nas coxas e manchadas pela história, ponto final de um caminho com pequenos trilhos e algumas porteiras, por finalmente poder pisar o chão de terra batida da sala, por saber que flutuará sobre o pequeno móvel de palha entrelaçada enquanto o corpo magro que sustentava e que carregava, junto à enxada, a mochila e a água, o peso de todo o resto, repousará pesadamente no banco de madeira. Quase não se poderia ouvir dos lábios ressecados a saudação à sua senhora tão velha quanto ele.
De certo o velho era pai e avô, era filho de alguém forte como ele, sofrido como ele, mas nenhum outro possível personagem de sua vida me interessava. Somente ele, o velho da estrada, de cabeça baixa e olhar abstraído detinha minha atenção.
Não saberia explicar o porquê de minha atração por aquele velho, afinal, não o conhecia, não era ninguém mais que um ancião pobre, que voltava da labuta, da luta diária, e tinha como caminho de volta o mesmo que o meu.
Misteriosa e incognitamente aquele velho era parte dos meus dias, estranho companheiro naquele ínfimo trecho de nosso retorno ao ócio, ao menos o meu o era, e por isso me dói jamais haver parado, perguntado seu nome, dito “olá”.
O velho, filho, marido, pai e avô, é alguém amado e, concomitantemente, um indigente.
Presumo que ele é como serei um dia, para alguns um anônimo, apenas outro velho pelo caminho, para outros instigante, querido, admirado, serei não mais o filho, o marido, o pai, o avô, não serei mais o meu nome, serei “aquele velho”.
Enviado pelo leitor Jonathas Raul dos Santos Souza. Envie também sua reportagem.