Gastronomia

Cozinhando e refletindo

11 de Dezembro de 2013, por Cláudio Ruas 0

A cozinha é o lugar mais importante da casa. Pelo menos para muita gente e muita casa, principalmente por aqui em minas. É local de alimentar o corpo e a alma. De reunir, compartilhar, de descansar e de trabalhar. E também de refletir. E já que costumamos deixar para refletir somente ao final do ano, então mãos à obra.

Naturalmente, antes de pensar no que está por vir, é importante lembrar-se do que fizemos. No caso da nossa prosa aqui no jornal, começamos o ano com uma notícia mais que boa para nossa gastronomia, nosso estado e nosso povo: a participação de Minas como homenageada no mais importante evento de gastronomia do mundo, o Madrid Fusion. Levamos nossas riquezas e fizemos bonito para o mundo, que timidamente começa a conhecer o tanto de coisa boa que temos escondida por aqui.

Falamos também do café mineiro, considerado o melhor do mundo atualmente e responsável por uma em cada quatro xícaras bebidas no planeta. Vimos que a cultura e a produção de cerveja artesanal em nosso estado vêm crescendo a passos largos, fazendo as pessoas beber melhor e aquecendo a economia local. Constatamos o aumento dos importantes festivais de gastronomia e cultura em geral, e até tivemos o nosso primeiro festival do artesanato de Resende Costa, que demorou para sair dos teares, mas saiu. Viajamos para uma parte do nosso estado que chega a parecer outro estado (mas não é), o norte de minas, nas barrancas do Velho Chico, um dos rios mais importantes do país, margeado de pobreza econômica e política, mas transbordando de riqueza cultural e gastronômica. De volta da viagem encaramos uma feijoada completa, para lembrar da importância e da delícia desse prato, tal como um suculento churrasco de costelinha de porco (ou de costelão de boi). Para encerrar, um cafezinho com biscoito, da nossa vizinha São Tiago, capital nacional dessa iguaria bem mineira.

Foi um ano de muita coisa legal e de boas mudanças. O interesse e a valorização cada vez maiores pela gastronomia são nítidos, tal como o aumento da percepção de que ela significa muito mais em nossas vidas do que o “simples” ato de comer. Envolve não só o nosso bem-estar, mas o da natureza e do meio ambiente. Interfere na economia, na cultura e na vida das pessoas. É um ciclo delicado e que precisa ser bem fechado, sob pena de não aproveitarmos a vida da melhor forma e pagarmos uma conta cara no final.

É preocupante ver o homem do campo cada vez mais dominado pelos grandes produtores e pelos alimentos industrializados. Deixam de vender o que tem em função da concorrência desleal e da total falta de políticas públicas. E o pior: ainda acabam gastando dinheiro com a comida industrializada que lhe faz mal.

Daí a necessidade óbvia de tentar encurtar esse elo entre o campo e o consumidor em geral, o que só traria benefícios para a maioria. Comida fresca, sem agrotóxicos terríveis, por um preço justo e que remunere melhor quem planta e produz. Que preserve a natureza e as nossas tradições. Por agora precisamos mais disso do que de quebrar recordes de colheita de soja, mesmo diante da importância que isso possa ter. 

É uma situação delicada e que não se muda do dia para noite, mas não é nada impossível começar a mudar, como muitos já fizeram. Começando dentro da nossa casa, plantando pelo menos um vasinho de manjericão, por exemplo, para ver como a natureza é farta e generosa. No âmbito da comunidade local (rural ou urbana), uma horta comunitária bem orientada então é algo espetacular, pois além de alimentar de forma saudável ainda pode gerar renda. Obviamente se existir um bom canal para venda dos produtos, como uma feira semanal na cidade, minimamente articulada pelo poder público, o que precisamos – e podemos – fazer em nossa cidade.

E o primeiro passo para essa mudança já pode ser dado agora, nesse instante: a reflexão.

Feliz Natal!

 

 

(Indo novamente contra a ditadura do peru, a dica de prato para a ceia de Natal é um “salpicão de filé de porco desfiado com couve”: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

Churrasco: uma paixão nacional

13 de Novembro de 2013, por Cláudio Ruas 0

Já falamos nessa coluna sobre a importância da descoberta do fogo na civilização e evolução da nossa espécie. Assim, podemos dizer que o churrasco nasceu na pré-história, quando algum “churrasqueiro” da época assou uma carne de caça no espeto. E de lá pra cá, como é fácil de se perceber, o processo é o mesmo na sua essência: brasa, carne e alguém controlando. E vários outros em volta, ansiosos por um pedaço.

No caso do Brasil, nem é preciso lembrar que esse costume veio do sul do país, afinal, associamos automaticamente o churrasco à imagem do gaúcho. No sentido amplo da palavra, “gaúcho” é a denominação do vaqueiro da região dos Pampas, que, além de parte do Rio Grande do Sul, ainda ocupa uma fatia do Uruguai e da Argentina. Um local com grandes pastagens e criações de gado. Peões famintos com a lida e sal grosso pros bois sobrando. Aí não tinha como ser de outro jeito. Juntou-se a fome com a vontade de comer churrasco e a tradição se espalhou Brasil acima, desde a laje de um barraco até o espaço gourmet mais chique de uma mansão. E, curiosamente, sempre em forma de confraternização.

Mas é interessante observar as diferenças dos estilos e formas de preparo. Na maior parte do Brasil as carnes são assadas nas churrasqueiras tradicionais de tijolinho com chaminé, com espetos e em cortes médios e grandes. Já no sul eles costumam usar também cortes maiores ainda, muitas vezes feitos no tradicional “fogo de chão” (grandes espetos fincados no chão, ao lado de uma vala com brasa), principalmente a costela do boi, a mais adorada pelos gaúchos. Enquanto isso, os argentinos e uruguaios utilizam cortes bem menores, quase individuais, que são feitos na “parrilha”, espécie de churrasqueira com uma grande grelha regulável ao invés de espetos. Também ao contrário de nós, o corte preferido deles não é a picanha, mas sim o contra filé, de onde tiram os deliciosos bifes de “chorizo” e “ancho”, bem macios e saborosos em função do estilo do gado criado por lá. Particularmente, prefiro o estilo argentino e uruguaio da parrilha, que permite um controle maior e mais prático das carnes, principalmente quanto ao ponto desejado. O corte menor e a proximidade da brasa diminui o tempo de preparo, mas a inclinação da grelha também possibilita assar simultaneamente pedaços maiores de forma mais lenta.

Ainda saindo dos padrões tradicionais brasileiros, é legal ver o crescente uso e valorização de cortes até então considerados menos nobres. A fraldinha é um exemplo clássico, de uma carne tida antes como de segunda, mas que agora pulou para a prateleira de cima. Além de saborosa e macia, é bem mais barata do que a famosa picanha, cujo preço tem extrapolado o que realmente vale. Inclusive é possível preparar partes aparentemente impossíveis, caso da língua do boi, como ensina a referência no assunto em Minas – o Penninha – no seu interessante livro “Transformando carnes de segunda em carnes nobres”.

Destaco também o preparo de legumes variados na churrasqueira (pimentão, cebola, abobrinha, berinjela), que além de saudáveis e gostosos, barateiam os custos.

Mas em churrasco de mineiro não pode faltar mesmo é bastante carne de porco, em especial a costelinha assada inteira. Substituir o lombo pelo pernil também é uma boa, pois esse é mais suculento, assim como o joelho e o inigualável toucinho de barriga, perfeito para churrascar e pururucar.

E lembre-se: o que faz o bom churrasco é a brasa abundante e não o fogo. Não jogue água para diminuir a chama (areia é o ideal) e, sempre que for adicionar mais carvão, retire todas as carnes da churrasqueira antes e espere começar a formar a brasa. São detalhes que fazem a diferença, como bem sabem os bons churrasqueiros que existem em nossa cidade, como o Vinícius do Tinô, que ainda vende produtos churrascáveis diferenciados.

E que me perdoem os gaúchos, mas o melhor acompanhamento do churrasco não é o chimarrão. É a cachaça.

 

 

(Veja no blog fotos de uma autêntica parrilha e aprenda duas receitas para incrementar seu churrasco: uma barriga de porco serenada e um molho chimi churri típico argentino: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

Café com biscoito

15 de Outubro de 2013, por Cláudio Ruas 0

Essa certamente é uma das duplas mais inseparáveis e perfeitas da gastronomia mineira. No meu ponto de vista, o “café com biscoito” pode ser definido como uma instituição: da nossa cultura gastronômica, dos nossos variados ingredientes e técnicas de preparo, da nossa receptividade e da nossa simplicidade farta e calorosa. É alimento do cotidiano da casa, mas também é iguaria para servir pras visitas. E essas que não recusem a oferta, senão vira desfeita. A hospitalidade mineira chega a ser até ditatorial e compulsória. Ainda bem!

De uns tempos para cá, o café com biscoito também nos remete a uma outra coisa: a cidade de São Tiago, nossa “vizinha de lado”. Da mesma forma que o rocambole nos faz pensar em Lagoa Dourada e o artesanato de tear em Resende Costa, São Tiago hoje pode ser considerada a capital nacional do biscoito. Mas e o café? Bom, como esses dois não se separam, a bebida acabou entrando para a festa, literalmente.

A tradição local de produção artesanal de biscoitos, aliada aos esforços para transformá-la em uma festa anual foi o embrião que mudou os rumos da pequena cidade, que hoje tem sua economia voltada para o biscoito, com dez por cento da população envolvida nessa atividade. E de quebra ainda vieram o resgate e a preservação dessa nossa riquíssima cultura, deliciosa e crocante como um “torradinho” saindo do forno.

Tal como nossa “vizinha de baixo” Tiradentes – que hoje colhe os frutos plantados há 15 anos com o Festival de Gastronomia – São Tiago vem cada vez mais dando especial atenção para sua festa anual e seu produto. Prova disso foi a criação do “Forno na Praça – Espaço Café com Biscoito”, uma belíssima e rústica construção no meio da praça principal, que abriga, além de charmoso bar e cafeteria, um espaço para que os produtores exponham e vendam seus biscoitos durante todo o ano. Como principal estrela do lugar, um imenso forno à lenha, encantador e primitivo, apoiado em uma base de pedra sabão e rebocado com massa feita com esterco de gado, como faziam antigamente para aumentar a retenção da caloria. E ao centro da edificação, vazando o telhado acima, um frondoso ipê amarelo que foi preservado no projeto, que por sua vez foi viabilizado pelo poder público municipal e estadual, em associação com ONG comandada pelo Sr. Geraldo Sampaio, gestor do espaço, que ainda promove outras atividades culturais.

Na festa desse ano fiquei encantado com as dezenas de variedades de biscoitos deliciosos e muito bem feitos, inclusive muitos deles ainda pelo método mais tradicional e interessante, assados no antigo e insubstituível forno à lenha. Me chamou a atenção também a presença de vários outros produtos alternativos aos biscoitos. Dispostos nas charmosas barraquinhas de bambu e eucalipto que tomam conta da praça, pequenos produtores oferecendo e vendendo o que a cultura local tem de melhor: queijos, morango, mel, cachaça, garapa com limão capeta, embutidos e artesanato em pano, cabaças etc. Deparei até com uma iguaria deliciosa que não se encontra fácil nos dia de hoje, um buchinho de porco caipira recheado com a própria carne, que levei pra casa dentro de uma lata de banha. E olha que a cidade e a festa são famosas só pelos biscoitos...

Outra notícia boa foi a da criação do “selo de origem” dos biscoitos de São Tiago, medida importantíssima para valorização e preservação dessas preciosidades imateriais que temos por aqui. Exemplo a ser seguido o mais rápido possível pelo nosso artesanato de tear em Resende Costa, a procedência geográfica e o título de autenticidade é aquilo do que mais precisamos.

O gosto que ficou na minha boca depois dessa festa é o de que nossos biscoitos e quitandas mineiras precisam recuperar mais ainda o espaço que perderam para salgadinhos e outras guloseimas modernas nos últimos tempos, sobretudo em festas de casamento e aniversário. Não se trata de querer mudar o hábito atual só pelo lado romântico da coisa. Mas basta pensar em um único motivo (entre tantos outros): é bom e todo mundo gosta. Se tiver dúvida, apareça na festa no ano que vem.

 

 

(Dessa vez convidamos vocês a dar um passeio virtual pela festa desse ano, através das fotos do evento: http://casalgastromg.blogspot.com.br/).

Feijoada completa

13 de Setembro de 2013, por Cláudio Ruas 0

Uma deliciosa música do mestre Chico Buarque explica direitinho o que seria a “feijoada completa”, um ícone da gastronomia brasileira. De forma divertida, ele vai orientando a esposa sobre como proceder, a começar pela cerveja gelada para o batalhão de amigos. Avisa que não tem que pôr a mesa e que basta colocar os pratos no chão e “o chão tá posto”. Pede a linguiça para o tira gosto e lista os ingredientes da caipirinha. Sempre advertindo para colocar mais água no feijão. Fala dos torresmos pra acompanhar, tal como o arroz branco, a farofa, a malagueta e a laranja. E depois do paio, carne seca e toucinho no caldeirão, lembra-se de aproveitar a gordura da frigideira, pra melhor temperar a (nossa) couve mineira. No fim, ainda dá a solução para a falta de dinheiro: “diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão. E vamos botar água no feijão”.

Essa música resume perfeitamente esse prato e ainda mostra o seu interessante universo de simplicidade, fartura e confraternização. Comida sem frescura, barata e que está sempre relacionada a uma celebração. Rende muito, até porque é impossível fazer em pouca quantidade. E costuma sobrar para o dia seguinte, quando fica mais gostosa. Feijoada é comida de fim de semana, mas aqui em Minas acaba entrando no cardápio de restaurantes na sexta-feira. Já em São Paulo, curiosamente, os dias de feijoada são quarta e sábado. Prefiro a sexta, dia estratégico para celebrar o fim de semana e comer sem culpa.  

Percebemos ainda outras diferenças de hábitos no país, como o modo de servir no Rio de Janeiro: os pertences são dispostos em uma travessa e regados com um pouco do caldo, ficando o restante desse no caldeirão para ser servido separadamente. Mas prefiro o jeito mineiro, com tudo dentro da panela, trocando sabor com o feijão até a hora de ir para o prato, sem esfriar. Que me perdoem os cariocas - bons fazedores de feijoada - mas nós mineiros sabemos muito bem lidar com pertences de porco, feijão e comida ensopada em geral. Isso faz diferença.

Outro hábito interessante que ocorre por aqui em Minas em alguns lugares é a presença de um acompanhamento um tanto anormal para a feijoada brasileira: o angu. Nas deliciosas e impagáveis feijoadas da minha tia Elisa do Góes, por exemplo, sempre tem uma panela de angu. Falta, eu acho que ele não faz, mas que combina direitinho com o feijão gordo, a couve e a pimenta, isso não resta dúvida.

Falando em gordura, temos visto as feijoadas ficaram cada vez mais light, sendo feitas somente com as partes do porco ditas como nobres. A preocupação com a saúde e a leveza da comida é importante, mas, em se falando de sabor, a presença do pé, orelha e focinho é fundamental. Pode-se até não servi-los, dependendo do gosto, mas a participação deles no cozimento faz uma grande diferença. Pelo menos a do pezinho (ou mãozinha, melhor ainda), que fornece o colágeno que ajuda a dar corpo ao caldo e transportar os sabores. Gosto de cozinhá-las junto com o feijão e depois separo para o tira-gosto, sem que os convidados preconceituosos nem saibam delas.

O legal é que não precisamos levar a ferro e fogo a frase do escritor Stanislaw Ponte Preta, de que “uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão”. Com cuidado e carinho, é possível fazê-la sem incluir a ambulância na receita, mas com bastante sabor. Ferventar as partes mais gordas com água, limão e cachaça e fritar com pouca gordura e separadamente as demais, escorrendo em papel toalha, ajuda muito.

É bom lembrar também que, ao contrário do que reza a lenda - de que a feijoada é genuinamente brasileira, inventada pelos escravos - esse prato tem forte influência européia. Portugal, França e Itália sempre fizeram receitas parecidas (feijão com “trupicos”), mas, ao oposto de nós, sempre deram o devido valor que essa iguaria merece, sem preconceitos.

No mais, é só chamar os amigos, preparar a caipirinha e ligar a música do Chico.

E vamos botar água no feijão.

  

(A receita no blog é uma feijoada sem ambulância de plantão: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

 

Festa do Café com Biscoito

Entre os dias 13 e 15 de setembro teremos a deliciosa festa da nossa vizinha São Tiago. Evento tradicional e bacana para toda a região, cada vez mais rica de turismo gastronômico de qualidade. Aproveitem!

O Velho Chico

14 de Agosto de 2013, por Cláudio Ruas 0

Ele tem um apelido carinhoso, mas que também guarda um sinal de muito respeito. É velho, desgastado pelo tempo e ainda é muito maltratado. Mas, ao mesmo tempo, é querido, importante e belíssimo até hoje. É o Rio São Francisco, mineiro de nascença e brasileiro de coração. Brota da terra no coração da Serra da Canastra e vai rompendo rumo ao norte mineiro. Passa pela Bahia e sai beirando Pernambuco, mas sem se intimidar com a secura do semiárido, até morrer no oceano Atlântico, entre as divisas de Sergipe e Alagoas. Morrer não. Virar uma parte do mar.

É o maior rio exclusivamente brasileiro e tem uma importância do tamanho dos seus quase 3.000km de extensão. Importância pela vida que ele leva com suas águas em lugares onde essa quase não existe. Importância econômica, social, cultural e, claro, gastronômica. Não só pela variedade e qualidade dos peixes, mas do gado que vive em seu entorno (e suas carnes serenadas e manteigas de garrafa), dos frutos do cerrado e de toda cultura gastronômica que margeia aquelas águas mansas.

Apesar da certa distância, volta e meia parte uma turma de Resende Costa para uma pescaria no São Francisco. E no último mês tive o privilégio de fazer parte mais uma vez de uma comitiva dessas, o que só reforçou meu encanto pelo Velho Chico.  

Parece longe, mas nem tanto. Afinal, ainda estamos dentro do nosso estado e as estradas até lá estão bem razoáveis. Oitocentos quilômetros do Ribeirão Santo Antônio até o Rio São Francisco, no rancho entre a cidade do mesmo nome e Januária. Mas vale a pena demais. Começando pelo pôr do sol incrível que deixa o rio rosa e alaranjado. E depois pela lua cheia prateada, que mesmo espantando peixe ainda é sempre bem vinda. Por último, a sensação de que ali debaixo pode ter surubim, dourado, piau, pacu-caranha...

Pescar é uma atividade pré-histórica e ao mesmo tempo muito atraente até hoje. Pelo lado da gastronomia então, nem se fala. A proximidade que a cozinha deve ter com o ingrediente faz da pescaria um programa pra lá de interessante. E que justifica as distâncias percorridas, as tralhas carregadas e as horas de paciência dentro do barco. Justifica até a falta de peixe de vez em quando, afinal, como já disse o caipira,“pescar já é tão bom e ocê ainda qué que eu pegue peixe?”

A verdadeira aula de limpar e filetar um dourado com o Zé Vicente foi especial. Pescador gente da melhor qualidade, cheio de conhecimentos de beira de rio, mas sofrido pela falta de peixe (e políticas públicas). Os olhos marejando enquanto recebia de nós uma generosa parte da nossa dispensa que havia sobrado comprovam o injusto sofrimento e o esquecimento de pescadores como ele nos dias atuais. Qual o melhor peixe na opinião dele? “Surubim, pacamã e piranha ensopada”. No ensopado que eles costumam fazer, geralmente vai cebola, tomate e pimentão. Se tiver o bom e velho coentro, melhor ainda. O urucum daquelas bandas também costuma ser dos melhores, parecendo até sangue quando diluído no óleo. Mas o surubim na brasa e o ensopado na moqueca, o filé do dourado grelhado na frigideira e o pirão de cabeça de peixe só terão aquele gosto naquele lugar. Do lado do rio, tudo fresco. Saiu de lá já não é a mesma coisa. E é por isso que viagens como essa não têm preço. 

Na volta, parada obrigatória na vizinha Mirabela, terra das melhores carnes de sereno de minas e do Brasil, que tem um açougue ao lado do outro, tal como as lojas de artesanato aqui de Resende Costa. Um verdadeiro ”artesanato das carnes”, cujas mantas ficam penduradas dentro de vitrines com tela, uma mais linda do que a outra.

É muita riqueza para uma região que carece até de água. Antagonismos da vida...

(A receita do mês no blog - que foi preparada à beira do Velho Chico - é uma “moqueca de surubim com pirão de cabeça”: http://casalgastromg.blogspot.com.br/)

 

 

Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes vem aí!

Entre os dias 23 de agosto e 1º de setembro nossa vizinha Tiradentes sediará a 16ª edição do Festival de Cultura e Gastronomia, que é o principal evento do gênero do país. Ótima oportunidade para os resende-costenses desfrutarem dessa deliciosa festa, bem aqui no nosso “quintal”. Aproveitem ainda para fazer um caminho alternativo e muito bacana, passando por Prados e Bichinho. Vale a pena.