O ensino da alfabetização musical conhecido na nossa região como aulas de solfejo é uma prática pedagógica muito utilizada em muitos contextos de bandas de música. Temos como exemplo a banda de música de Prados e a Banda Santa Cecília, de Resende Costa. Normalmente, as aulas de música começam com o ensino de leitura e escrita musicais, ou seja, pela alfabetização musical. A Banda Santa Cecília, de Resende Costa, teve influência da Irmandade Santa Cecília, conforme relatos do professor Edésio de Lara Melo. De acordo com Vasco Mariz (2005), em seu livro a História da Música no Brasil, a Irmandade de Santa Cecília funcionava como uma espécie de sindicato dos músicos no período colonial em Minas Gerais. Essa instituição se atentava notadamente para o rigor e a precisão na execução da notação musical. Logo, quem ousasse improvisar seria passível de pena de prisão. Ou melhor, se os músicos não tocassem o que estava escrito na pauta musical, poderiam ir parar na cadeia! Esse fato nos mostra como a Banda Santa Cecília, de Resende Costa, possui uma relação íntima com a escrita musical.
O que é o processo de alfabetização? Segundo a autora Magda Soares, a alfabetização é um processo puramente de escrever (codificar) e de ler (decodificar). Desse modo, podemos ler palavras que não existem e, por exemplo, copiar um texto em um idioma que não conhecemos. No entanto, o letramento é a funcionalidade da escrita: é o indivíduo ser capaz de compreender um texto e escrever uma carta. Assim, podemos exemplificar a diferença entre alfabetização e letramento na linguagem musical: um músico profissional que não é alfabetizado não consegue ler e escrever utilizando a escrita musical, porém ele é letrado ao executar muito bem sua função de músico, utilizando-se dos recursos do ouvido, entre outros. Tomemos, por exemplo, um aluno com pouco contato com a linguagem musical e que frequentou o curso de alfabetização na banda de música de Resende Costa. Podemos considerar que esse aluno é alfabetizado, mas isso não significa que ele é letrado. Isto é, ele sabe ler e escrever, porém ainda não possui os recursos do letramento musical funcionais para produzir música fluentemente.
Do ponto de vista educacional, o ensino da apropriação da cultura letrada musical funciona de forma não natural. Temos as considerações do neurocientista francês Stanislas Dehaene, que defende que a leitura e a escrita funcionam de forma não natural, ou seja, os sistemas de escrita existem há aproximadamente 6000 anos, pouco tempo para proporcionar uma mudança biológica. De acordo com Dehaene, precisamos de um ensino direto e sistemático para obtermos a apropriação da cultura letrada. Interessante comentar que esse ensino direto e sistemático sempre foi utilizado aqui na Banda Santa Cecília. Podemos comprovar nossa observação pelo quadro pautado que a banda conserva e utiliza há muitas décadas, conforme lembram o ex-maestro da corporação, João Tomaz, e o ex-músico da banda, Eustáquio Peluzi Chaves, o Taquinho.
Educadores musicais, como Carl Orff e Emile Jaques Dalcroze, entendem a linguagem musical como natural da biologia humana. De acordo com essa análise, grande parte das células do nosso corpo sofre interferências com a música. Portanto, processos como a alfabetização musical são considerados por eles como antimusicais. Temos, então, muita polêmica ao tratarmos da alfabetização musical, pois estamos diante de duas concepções de ensino: a primeira é um método antigo, respaldado pela neurociência e adotado pelas bandas de música, composta por processos diretos, sintéticos e sistemático. Pode-se, segundo essa ótica, alfabetizar independentemente dos pré-requisitos do letramento musical. Já a segunda concepção de ensino, inspirada nos educadores musicais citados, que priorizam o ensino da música como o aprendizado da nossa língua materna, é ouvindo e falando, depois escrevendo e lendo, que ocorrem o letramento e depois a alfabetização.
Na Banda Santa Cecília, de Resende Costa, a alfabetização musical acontece da seguinte maneira: no primeiro processo de aprendizado musical, que dura aproximadamente 5 meses de aulas e de estudos, podemos afirmar que os alunos estão alfabetizados musicalmente, ou seja, são capazes de ler e escrever música. Após a conclusão do curso, os alunos podem começar seus estudos nos instrumentos musicais a fim de integrarem o corpo musical da banda. O curso de alfabetização musical é ofertado todos os anos de forma gratuita. Geralmente, as aulas começam depois da Semana Santa. Além desse curso de aulas coletivas de alfabetização musical, a Banda Santa Cecília oferece mais uma modalidade de ensino de alfabetização musical, na qual os alunos interessados em aprender música no decorrer do ano têm a oportunidade de, através das lições de solfejo, estudarem individualmente e serem orientados e acompanhados pelo professor.
*Trompista, instrutor de música da Prefeitura Municipal de Resende Costa, maestro da Banda de Música Santa Cecília.