São João del-Rei: Igreja de São Francisco de Assis comemora 250 anos

Cidade torna-se “Capital da Arte Sacra” por lei municipal


Cultura

José Venâncio de Resende0

fotoFoto da igreja feita em 4 de outubro, dia de S. Francisco de Assis (extraída do Facebook de José Antônio de Ávila).

A Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis (VOT) comemorou, no dia 20 de outubro, 250 anos do início da construção da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei, Minas Gerais. O templo franciscano “é considerado um dos mais belos e expressivos monumentos religiosos de Minas Gerais e do Brasil, definiu o vereador Fabiano Pinto.

Ele é autor do projeto de lei, aprovado pela Câmara Municipal no dia 8 de outubro, que declarou a Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Assis “patrimônio cultural imaterial”. Formada por leigos católicos, a Ordem foi fundada no dia 8 de março de 1749, em São João del- Rei, por Dom Frei Manuel da Cruz, então Bispo de Mariana. O seu principal articulador foi o Capitão Antônio da Silva e Souza. 

A Ordem foi a promotora da construção do templo franciscano, disse o vereador. “A idealização da construção de uma igreja maior se deu em 1772 e sua construção se iniciou em 1774”, “em substituição a antiga capela, que estava em ruínas”, acrescentou Fabiano Pinto. “Em seu templo, trabalharam vários verdadeiros gênios da arte, da escultura, do entalhe e da imaginária sacra, sobressaindo-se entre todos, o mestre Francisco de Lima Cerqueira e Aniceto de Souza Lopes, considerados benfeitores da VOT.” 

“Capital da Arte Sacra” 

Outro projeto do vereador Fabiano Pinto, transformado em lei municipal, declarou o Município de São João del-Rei a “Capital da Arte Sacra”. A cidade “nasceu ao redor da religiosidade católica dos colonos portugueses. A povoação que se formou a partir da descoberta dos minerais preciosos nas encostas das serras e morros desde seu início se centrou ao redor de uma capela, rústica e tosca, onde essa religiosidade pudesse ser expressa. Mesmo durante os conflitos da Guerra dos Emboabas, a manutenção deste templo era prioridade pela população local”, diz o texto do restaurador e escultor de imagens Fernando Pedersini, que acompanha o projeto de lei. 

Outra preocupação, desde o início, era “com o belo dentro dos templos, mais do que em quaisquer outros edifícios da vila. Era imprescindível, portanto, a presença de artífices que dessem vida a esse belo buscado pelos fiéis católicos, apesar de o tempo ter apagado seus nomes”. 

Nos primeiros anos, várias construções foram impulsionadas, principalmente pelas irmandades, “como forma de organização religiosa”. A começar pela igreja de Nossa Senhora do Rosário (1719), seguida da igreja matriz (atual catedral basílica) de Nossa Senhora do Pilar (1721) e das capelas de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno (1722), de São Francisco do Onça (Emboabas, 1727), de São Gonçalo do Amarante do Caburu (1734) e de São Miguel do Cajuru (antes de 1720). “Essas irmandades contrataram artistas, arquitetos e outros artífices para dar vida aos seus templos e decorá-los tão bem como pudessem.” 

“A consolidação da vila de São João del-Rei como importante ponto econômico e social de Minas Gerais, mesmo após o rush inicial da mineração a partir da segunda metade do século XVIII, trouxe a proliferação de mais irmandades, que, por sua vez, procuraram construir seus espaços de culto, intensificando o cenário da arte voltada para a religiosidade católica.” Foi assim que as “poderosas e prósperas Ordens Terceiras de Nossa Senhora do Carmo (1746) e de São Francisco de Assis (1749) logo iniciaram a construção de seus templos, que hoje são importantes exemplares da arte sacra colonial brasileira, e a vila também viu a construção das igrejas de Nossa Senhora das Mercês (antes de 1750) e de São Gonçalo Garcia (década de 1770). Também surgiram capelas pela cidade como a do Senhor do Bonfim (1769), do Senhor de Matosinhos (1772), de Santo Antônio de Pádua (antes de 1765) e do Senhor do Monte (antes de 1783), “que, ainda que não tenham sido impulsionadas por irmandades, foram edificadas a partir da religiosidade e devoção populares”. 

Além disso, os templos já existentes, como a igreja Matriz e de Nossa Senhora do Rosário, procuraram adequar-se aos estilos artísticos vigentes. “Todo este movimento criou grande necessidade do trabalho e da presença dos artistas sacros na vila, que pudessem realizar a construção dos templos, o entalhe dos altares e retábulos, a pintura pictórica do interior das igrejas, o douramento da talha, a escultura das imagens sacras, a produção de acessórios e vestimentas para tais imagens, sua policromia, a produção de mobiliário próprio, de objetos litúrgicos e processionais etc.” 

A “grande movimentação da produção de arte sacra implicou na criação de artífices locais e regionais, pessoas nascidas em São João del-Rei e na região, que aprenderam os diversos ofícios nos ateliês dos artífices já experientes, que transmitiam seu conhecimento e permitiam a criação de identidades artísticas locais e individuais”. Aparecem, assim, nomes conhecidos “ativos na região durante a segunda metade do século XVIII e início do século XIX”, bem como artistas que ainda permanecem no anonimato. “O século XIX trouxe consigo uma nova fase na arte sacra em São João del-Rei.” 

Século XX até agora 

A elevação a cidade em 1838 e a relativa proximidade com a corte no Rio de Janeiro permitiram que “novas ideias e estilos artísticos chegassem rapidamente à cidade, movimentando ainda mais o contexto da arte sacra”. “Um dos nomes de destaque deste período é o artista multifacetado Joaquim Francisco de Assis Pereira, escultor, entalhador e prateiro, que realizou importantes trabalhos para as igrejas de São João del-Rei e da região, notavelmente grande parte da conclusão interna da igreja de Nossa Senhora do Carmo. O artista é exemplo da cultura de aprendizagem local, tendo passado o conhecimento de vários ofícios a seus aprendizes, inclusive seus filhos, que, por sua vez, os transmitiram a outras pessoas.” 

No século XX, “o crescimento populacional da cidade implicou na construção de novas igrejas nos novos bairros que se formavam, e a vitalidade das instituições religiosas, especialmente a das irmandades, manteve a cultura local da arte sacra. No início do século é importante notar a conclusão da Igreja de São Gonçalo Garcia em 1903 e a construção da nova Capela de Nossa Senhora das Dores da Santa Casa de Misericórdia, em 1918, no inovador estilo neogótico”. 

Nos nossos dias, a cidade abriga um grande número de artífices que se especializam na produção artística voltada para as igrejas. “É notável a presença de diversos escultores, pintores, entalhadores, prateiros, ourives, costureiros etc. que dedicam grande parte de suas obras para incrementar o culto e prover as igrejas da cidade. Tais artistas se especializam no entendimento dos estilos artísticos de cada templo e neles inserem suas obras de maneira tão integrada ao conjunto que, muitas vezes, aos olhos de visitantes e turistas, tais obras são entendidas como sendo do período colonial/imperial, enriquecendo a beleza dos templos e pouco afetando a sua originalidade artística.”

Assim, “surgiu mais um ofício atrelado à produção de arte sacra, o de restaurador, essencial para que a tradição artística constituída nos séculos XVIII e XIX não se perdesse”. “Muitos destes artífices que já produziam novas obras para as igrejas procuraram se especializar, a partir de formação acadêmica, mas principalmente pela experiência e contato com a arte local, no ofício de restaurador de esculturas, pinturas e talhas presentes nos templos são-joanenses.” Com renome nacional, além de abastecer as igrejas locais, já “são procurados para a produção de imagens e seus acessórios, mobiliário, objetos etc. que sejam específicas para as diversas igrejas e locais pelo território brasileiro, além de serem procurados também para a restauração de imagens ou mesmo de igrejas inteiras, devido à especialização e peculiaridade desses artistas.” 

“O desenvolvimento deste cenário também criou uma produção de imagens e objetos litúrgicos para ´pronta entrega´, com a presença de diversos estabelecimentos pela cidade que fornecem tais obras para pessoas que vêm à cidade, muitas vezes especificamente para isso, criando um comércio atrelado a um turismo cultural.” Portanto, isto “é fruto de uma tradição que foi mantida ininterruptamente desde o início da povoação de São João del-Rei, nos primeiros anos do século XVIII, e continua com uma força e vitalidade peculiar à cidade, que se destaca no contexto estadual e até mesmo nacional”. 

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