Quando estas linhas chegarem aos olhos do leitor, o Dia de Finados (2 de novembro) já terá passado. Contudo, o mês de novembro marca-se pelo costume praticamente universal de culto aos falecidos.
Embora os locais de lembrança mais intensa, os cemitérios, tenham modificado muito e a pandemia de Covid-19 forçado muito esta modificação, impedindo até a despedida última dos familiares, acho que um modo de homenagear nossos antepassados levados pela morte talvez seja curtir as maravilhas da arte funerária: arquitetura, escultura, literatura e música.
Há cemitérios que são verdadeiros museus ao ar livre. Dos que conheço, cito especialmente o Cemitério da Consolação e o Cemitério São Paulo, em São Paulo capital; o Cemitério do Imigrante, em Joinville; o Cemitério de Praga (e aproveito para aconselhar a leitura do romance do saudoso Umberto Eco com o mesmo título), que vi só pelo portão de entrada por causa do tempo; e, é claro, a catacumba de São Calixto, em Roma.
Se você curte literatura, ao visitar um campo santo veja os epitáfios – do grego “epi” (posição superior) e “tafos” (túmulo ou tumba). Epitáfio: frase colocada sobre o túmulo, lápide ou monumento funerário para homenagear a pessoa que morreu.
Há epitáfios para todo gosto: poéticos, engraçados, piedosos, descritivos, históricos... Muitos em latim, como este no túmulo de um sacerdote: “Pascebat amore, ore, re” (apascentava com o amor, com a palavra e com a ação); ou este escrito pelo José Procópio, um dos maiores latinistas que Resende Costa teve, no túmulo de seus familiares aqui no cemitério de baixo, num latim clássico e poético que acho uma raridade: “Parentes, interitu adempti, quae inhabitatis nunc, non licet ire nisi ad astra, praeces” (Pais, arrebatados pela morte, onde habitais agora, não é lícito ir senão pelos astros, [nossas] preces).
Este é o epitáfio que dom Pedro Casaldáliga quis que se colocasse em sua tumba no Cemitério dos Excluídos de São Félix do Araguaia: “Para descansar/ eu quero só/ esta cruz de pau/ com chuva e sol/estes sete palmos/ e a Ressurreição”.
No cemitério São Paulo, dito acima, você lê até um soneto clássico, num italiano perfeito, saudando uma mãe ali sepultada.
Que tal, fazer uma visita, ouvindo o espetacular “Epitáfio”, dos Titãs?
Para os aficionados em arquitetura, há túmulos muito bem desenhados, até um ou outro mausoléu e os túmulos-capela; para os fãs de escultura, obras de artistas famosos, como Brecheret, Emendabilli, Bruno Giorgi no cemitério da Consolação, em São Paulo, e tantos outros.
E a música? Difícil achar um ouvinte de música sacra que não tenha se emocionado com algum dos numerosos “réquiens”.
E estendo tudo isso às maravilhosas necrópoles das irmandades de cidades históricas de nossa Minas Gerais
Tempos bem longínquos, quando ainda em sala de aula, lecionando Literatura, levava os alunos a visitar os cemitérios-museus de São Paulo. Para isso, fiz um curso de arte tumular com o especialista no tema, professor Délio Freire dos Santos.
Como a arte tumular trabalha muito com a simbologia, transcrevo da apostila do curso uma lista desses símbolos. Poderá ajudar o leitor numa visita. Muitos deles tiveram origem na simbologia cristã. Anjo: mensageiro de Deus. Ampulheta: tempo inexorável. Âncora: esperança. Coluna: vida. Concha: apostolado, batismo, remissão dos pecados. Cornucópia: riqueza. Livro: pureza. Tíbias cruzadas: a morte.Tochas: voltadas para baixo, morte; para cima, vida. Santíssima Trindade: Jesus, Maria, José. Triângulo: signo trinitário. XP: Xispisto – a Cristo, em grego. Cachorro: fidelidade. Coruja: sabedoria. Elefante: mansidão. Galo: vigilância. Morcego: incredulidade. Serpente: ódio, inveja, profissão, luxúria. Leão: vigilância. Abelha: trabalho. Águia: glória. Pelicano: amor materno, ressurreição. Pomba: paz, castidade. Coroa de louros: martírio. Girassol: realeza de Cristo. Palma: castidade, alegria, martírio. Papoula: sono eterno. Trevo (ou Trigo): pão divino. Olho deDeus: o que tudo vê. Compasso: cada coisa tem que ser feita a seu tempo, no giro do compasso. Esquadro: retidão de conduta. Esfera: universo. Foice: a que põe termo à vida. Martelo e pregos: crucificação. Alfa e ômega: primeira e última letras do alfabeto grego, o princípio e o fim. Chama: luz de vida. Lírio: pureza. Pira fumegante: homenagem à glória. Vela: vida
É o que penso. E você?