Em novembro deste ano, faz 60 anos que Cecília Meireles deixou nosso mundo. Nasceu em 1901. Faleceu em 1964. Devido à importância de suas obras, sobretudo o “Romanceiro da Inconfidência”, merece esta homenagem.
Meu primeiro contato com sua obra é antigo. No ano em que a FUVEST indicava obras de escritores que seriam objeto de questões no vestibular, a obra dela foi indicada como um dos livros. Nós, professores de literatura, tínhamos que preparar os alunos.
Quando comprei, da Editora Nova Aguilar, o livro que contém sua obra poética, fiquei fã do “Romanceiro da Inconfidência” por muitos motivos. Entre eles: gosto pessoal e ancestralidade. Afinal, a cidade onde nasci, Resende Costa (antigo Arraial da Laje) e que tem este jornal com esta coluna, é berço de dois inconfidentes (os Resende Costa pai e filho).
O professor Antônio Medina Rodrigues, de quem fui aluno no curso preparatório para o concurso de efetivo no ensino oficial do Estado de São Paulo, diz o seguinte na análise que fez do “Romanceiro” (Oesp 19/05/94): “De início vem a época e o ambiente, seguidos da conspiração e do fracasso dos inconfidentes; depois vem a morte de Cláudio [Manuel da Costa] e Tiradentes e depois a desgraça de Gonzaga [Tomás Antônio] e Alvarenga Peixoto [Inácio}, e finalmente encerra o Romanceiro com o quadro de tara e debilidade composto por D. Maria. Não é o caso de perguntar se tudo isso não vem a ser uma história versificada, em vez de ser realmente poesia? Claro que não. Tudo isso é boa poesia que contém história (o contrário não vale).”
Antes de apresentar um exemplo, uma explicação para um leitor pouco habituado. O romance é uma forma de verso de tradição ibérica que se estende pela América Latina, de origem muito antiga, desde a Idade Média, transmitido por tradição oral. Versos em redondilha maior (7 sílabas poéticas) ou menor (5 sílabas). Eis um exemplo do “Romanceiro” de Cecília Meireles (na minha contagem, são 85 romances), só um trecho do romance XXXVI: Das sentinelas para o leitor ter uma ideia: “De noite e de dia/por todos lados,/ caminham dois homens,/que vão disfarçados,/pois são granadeiros/e sendo soldados/ alguém lhes permite/bigodes raspados./Ai, pobre do Alferes,/que gira inocente,/sonhando outro mundo,/amando outra gente.../Vai jogando sonhos:/lúdica semente!/brotam sentinelas,/miseravelmente”.
Mais tarde, lecionando literatura infantil para 4º ano de magistério no Colégio Stella Maris, Cecília Meireles era uma escritora que fazia parte do meu programa por causa de seu livro de poemas infantis: “Ou isto ou aquilo”. São 18 poemas. Apresento um: “Jogo de bola: A bela bola/rola:/a bela bola do Raul./Bola amarela,/a da Arabela./A do Raul,/azul/Rola a amarela/e pula a azul/A bola é mole/é mole e rola/A bola é bela/é bela e pura/É bela, rola e pula,/é mole, amarela, azul./A de Raul é de Arabela,/e a de Arabela é de Raul.” Aliás, quando professora primária, criou a primeira biblioteca infantil.
Ouvi, numa destas vídeo-aulas na internet, que ela foi a primeira mulher a abandonar o termo poetisa e usar o termo a poeta, por achar que poetisa diminui o papel da mulher na literatura. Em sua época havia poucas mulheres poetas.
Nem todo mundo conhece sua trajetória, por isso resolvi escrever. A meu ver, sua atuação, suas crônicas, suas traduções e seu gênio poético inseriram definitivamente Cecília Meireles no grupo da poesia moderna portuguesa ao lado de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes e agora Adélia Prado.
A prova disso é que grandes escritores ou críticos literários, como Mario de Andrade incluindo-a no modernismo; Menotti del Picchia; sobre o inconsciente na poesia; Paulo Rónai; sobre as tendências recentes da poesia; João Gaspar Simões, sobre poesia musical; Murilo Mendes e outros publicaram na imprensa comentários muito elogiosos quando seus livros eram lançados. Destaque para o comentário de Murilo Mendes sobre poesia social quando foi publicado “O romanceiro da Inconfidência” (1953).
É o que penso. E você?
Angelo de Freitas Coelho - 01/08/2024
Concordo em gênero, número e grau. O Cancioneiro é uma obra prima de Cecília Meireles que prima pela simplicidade poética em tratar um assunto tão importante como a Inconfidência Mineira. Devia ser leitura obrigatória aos alunos desse país, não escasso de heróis, mas sim paupérrimo em recordar-los. Repito: obra-prima.