Pelo que conheço, reconhecendo, porém, que posso estar desatualizado, Resende Costa prima por ter muitos bons poetas (alguns poetando até num latim clássico, como no caso de Miled Hannas e no de José Procópio), muitos memorialistas, muitos cronistas, muitos historiadores, mas poucos contistas, novelistas e romancistas.
Na realidade, só conheço o Evaldo Balbino, com seu excelente “Fios de Ícaro”, e o Alai Coêlho, com seus “Casos e causos do vovô Totonho da Chapada” e “Embuçado, agente da Conjuração Mineira”. Agora, “Maritê”, de Stela Vale Lara e Alair Coêlho de Resende. Se o leitor conhecer outros mais, por favor, atualize-me.
Ao modo de alguns clubes de leitura, partilho com o leitor algumas impressões que a leitura de “Maritê” deixou em mim. Não é uma análise literária e sim impressões bem pessoais, lembrando o princípio de Santo Tomás de Aquino (1225-1274); “tudo o que se recebe, recebe-se ao modo do recipiente” (quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur).
“Maritê”, escrito a 4 mãos, mas com simbiose perfeita, como escreve Vivien Gonzaga e Silva no prefácio, remeteu-me ao primeiro livro que li quando aprendi a ler no Assis Resende – 1947 –, cujo título jamais se apagou em mim: “Contos pátrios”. Escrito por Olavo Bilac e Coelho Neto, portanto a 4 mãos. Só bem mais tarde, trabalhando com literatura, consegui distinguir os textos de Bilac e os de Coelho Neto. Com “Maritê” foi mais fácil, pois já conhecia o teor do Alair em seus escritos publicados.
Minha leitura emoldura “Maritê” num quadro de romance histórico sobre nossa Resende Costa. Ela aparece na descrição das serras, dos morros, dos córregos e cachoeiras, dos seus locais urbanos mais frequentados (“quatro cantos”), das viagens a São João del-Rei, dos institutos onde os remediados iam estudar: os internatos de São João del-Rei e o Caraça, dos ritos de batizados, casamentos e primeira comunhão, das festas religiosas etc.
A excelência dos textos descritivos, como a Serra da Jiboia, a tempestade que dociliza o Sultão, os carros de boi levando as mudanças para as casas alugadas na Semana Santa e muitos outros, a meu gosto, marca o livro e cumpre bem uma das finalidades da descrição, segundo o xará do protagonista Alonso Schokel, S.J: “Provocar em nossa imaginação uma impressão equivalente à impressão sensível”.
Com uma agradável e fácil narrativa, através da Roncador, fazenda semelhante a outras fazendas do município, informa ao leitor jovem como era a vida numa grande fazenda colonial mineira, como era a formação educacional, a vida social.
Como escreveu o jornalista argentino Tomás Eloy Martinez, “talvez a maior maravilha do livro seja sua capacidade de transfiguração, de ser primeiro a voz que vai se enriquecendo ao passar de geração para geração, até que alguém, com medo de que a voz se perca nos ventos do tempo, ordena retê-la em páginas manuscritas para que seja mais tarde folha impressa.” Stela e Alair o fizeram e com muito talento.
Os contemporâneos, ou seja, os que nasceram e cresceram na época da narrativa (tempo do enunciado), sobretudo na roça, terão suas lembranças bem excitadas. É o meu caso. Revivi o sítio em que fui criado, as visitas aos meus tios na Restinga, Pintos, Água Limpa, Jabuticaba e tantos outros.
Os não contemporâneos terão uma noção do meio de vida, dos comportamentos, do lazer e até das fofocas de seus antepassados.
Outra impressão muito positiva da leitura é o estilo dos dois narradores, adotando as características do nosso Romantismo literário, lembrando até explicitamente Bernardo Guimarães (1825-1884) com seu “O Seminarista”.
Mais ainda os temas e características do Arcadismo mineiro: aproveitar o presente sem se preocupar com o futuro (“carpe diem”); contenção frente aos acontecimentos e uma vida equilibrada, sem exageros (“aurea mediocritas”); comunhão com os lugares agradáveis da natureza, sobretudo o bucolismo dos campos (“locus amoenus”).
Loas também para o livro sob o aspecto editorial: apresentação gráfica, capa e fotos ilustrativas.
É o que eu acho. E você?