Voltar a todos os posts

“Maritê”, de Stela Vale e Alair Coêlho: impressões de uma leitura

21 de Setembro de 2022, por João Magalhães

Pelo que conheço, reconhecendo, porém, que posso estar desatualizado, Resende Costa prima por ter muitos bons poetas (alguns poetando até num latim clássico, como no caso de Miled Hannas e no de José Procópio), muitos memorialistas, muitos cronistas, muitos historiadores, mas poucos contistas, novelistas e romancistas.

Na realidade, só conheço o Evaldo Balbino, com seu excelente “Fios de Ícaro”, e o Alai Coêlho, com seus “Casos e causos do vovô Totonho da Chapada” e “Embuçado, agente da Conjuração Mineira”. Agora, “Maritê”, de Stela Vale Lara e Alair Coêlho de Resende. Se o leitor conhecer outros mais, por favor, atualize-me.

Ao modo de alguns clubes de leitura, partilho com o leitor algumas impressões que a leitura de “Maritê” deixou em mim. Não é uma análise literária e sim impressões bem pessoais, lembrando o princípio de Santo Tomás de Aquino (1225-1274); “tudo o que se recebe, recebe-se ao modo do recipiente” (quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur).

“Maritê”, escrito a 4 mãos, mas com simbiose perfeita, como escreve Vivien Gonzaga e Silva no prefácio, remeteu-me ao primeiro livro que li quando aprendi a ler no Assis Resende – 1947 –,  cujo título jamais se apagou em mim: “Contos pátrios”. Escrito por Olavo Bilac e Coelho Neto, portanto a 4 mãos. Só bem mais tarde, trabalhando com literatura, consegui distinguir os textos de Bilac e os de Coelho Neto. Com “Maritê” foi mais fácil, pois já conhecia o teor do Alair em seus escritos publicados.

Minha leitura emoldura “Maritê” num quadro de romance histórico sobre nossa Resende Costa. Ela aparece na descrição das serras, dos morros, dos córregos e cachoeiras, dos seus locais urbanos mais frequentados (“quatro cantos”), das viagens a São João del-Rei, dos institutos onde os remediados iam estudar: os internatos de São João del-Rei e o Caraça, dos ritos de batizados, casamentos e primeira comunhão, das festas religiosas etc.

A excelência dos textos descritivos, como a Serra da Jiboia, a tempestade que dociliza o Sultão, os carros de boi levando as mudanças para as casas alugadas na Semana Santa e muitos outros, a meu gosto, marca o livro e cumpre bem uma das finalidades da descrição, segundo o xará do protagonista Alonso Schokel, S.J: “Provocar em nossa imaginação uma impressão equivalente à impressão sensível”.

Com uma agradável e fácil narrativa, através da Roncador, fazenda semelhante a outras fazendas do município, informa ao leitor jovem como era a vida numa grande fazenda colonial mineira, como era a formação educacional, a vida social.

Como escreveu o jornalista argentino Tomás Eloy Martinez, “talvez a maior maravilha do livro seja sua capacidade de transfiguração, de ser primeiro a voz que vai se enriquecendo ao passar de geração para geração, até que alguém, com medo de que a voz se perca nos ventos do tempo, ordena retê-la em páginas manuscritas para que seja mais tarde folha impressa.” Stela e Alair o fizeram e com muito talento.

Os contemporâneos, ou seja, os que nasceram e cresceram na época da narrativa (tempo do enunciado), sobretudo na roça, terão suas lembranças bem excitadas. É o meu caso. Revivi o sítio em que fui criado, as visitas aos meus tios na Restinga, Pintos, Água Limpa, Jabuticaba e tantos outros.

Os não contemporâneos terão uma noção do meio de vida, dos comportamentos, do lazer e até das fofocas de seus antepassados.

Outra impressão muito positiva da leitura é o estilo dos dois narradores, adotando as características do nosso Romantismo literário, lembrando até explicitamente Bernardo Guimarães (1825-1884) com seu “O Seminarista”.

Mais ainda os temas e características do Arcadismo mineiro: aproveitar o presente sem se preocupar com o futuro (“carpe diem”); contenção frente aos acontecimentos e uma vida equilibrada, sem exageros (“aurea mediocritas”); comunhão com os lugares agradáveis da natureza, sobretudo o bucolismo dos campos (“locus amoenus”). 

Loas também para o livro sob o aspecto editorial: apresentação gráfica, capa e fotos ilustrativas.

É o que eu acho. E você?

Deixe um comentário

Faça o login e deixe seu comentário