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Mês de agosto: uma lembrança triste

17 de Agosto de 2022, por João Magalhães

Difícil achar uma pessoa que não tenha alguma lembrança significativa – positiva ou não – que marca uma data do ano, mês, semana, dia. Mais significativa ainda se o episódio lembrado aconteceu na infância. No meu caso, é o mês de agosto.

Quando vejo os cães de rua, aqui em Resende Costa, tranquilamente dormindo ou descansando na calçada, felizmente até bem nutridos pela população amiga dos animais, o episódio me volta à mente. A memória tem esta vantagem, como escreve Santo Agostinho, em “Confissões”: traz do passado para o presente um acontecimento sofrido, mas sem a dor do momento em que se deu ou até com um certo gosto de vitória.

Mês de agosto era o mês de cachorro zangado. Zangar era o termo que se usava na minha infância, lá no Tijuco, para o cachorro que pegava a raiva. A palavra sinônima – hidrofobia – era desconhecida.

Um pouco de informação, oferecida pela médica-veterinária, Dra. Kelli Nicida: a raiva é uma velha conhecida dos humanos. Muito perigosa, atinge todos os mamíferos, incluindo ruminantes, felinos e até morcegos. Trata-se de uma doença infecciosa causada por um vírus. O vírus se liga aos nervos do hospedeiro e, por dentro deles, migra até o cérebro, causando inflamação dos tecidos afetados. Com uma evolução muito rápida, a raiva mata quase 100% dos pacientes infectados; não só os cães, mas também seres humanos. Mas, você já se perguntou por que a doença é tão associada aos cachorros? Até o ano de 2003, os cães eram os principais transmissores da raiva para os humanos no Brasil.

Como acontece o contágio? O vírus da raiva se aloja, entre outros tecidos, nas glândulas salivares do doente. Como a doença causa agressividade, a mordida é a principal forma de animais infectados, como cães e morcegos, passarem o vírus adiante. No entanto, o que muita gente não sabe é que a doença também pode ser contraída a partir de outros animais, como guaxinins e gambás. Por isso, todo cuidado é pouco com pets que vivem em áreas externas, em sítios ou casas de campo.

No imaginário popular, a principal imagem da raiva em cães e gatos é um animal babando, com a boca cheia de saliva esbranquiçada. Isso se deve, principalmente, a sintomas de uma das etapas da doença. Popularmente, fala-se em “raiva furiosa” e “raiva paralítica”. Na verdade, é a mesma doença, em etapas distintas. O período conhecido como “raiva furiosa” é a primeira fase. Com duração de 1 a 4 dias, ela costuma causar alterações de comportamento no cão, como: excitação, agressividade, medo, depressão, ansiedade.

Apesar de ser uma doença extremamente perigosa, a prevenção da raiva é bastante simples: a vacinação. Com uma taxa de proteção muito próxima a 100%, ela é a melhor forma de manter o vírus longe do seu amigo.

O Tijuco de minha meninice era um pequeno arraial, separado da “Vila” (como chamávamos a cidade) por uma dupla estrada de terra de quase três quilômetros e meio: uma para automóveis e outra para carros de boi. Quase todo mundo tinha cães e gatos, mas, diferentemente de muitos donos de hoje, os cachorros viviam soltos. Entravam na casa, porém nunca dormiam dentro dela. Os mais bravos eram treinados para obedecer aos habitantes da casa. Os indomáveis raramente sobreviviam.

Era um pavor lá no Tijuco quando corria a notícia de um cachorro zangado, seguindo, babando e mordendo outros cachorros ou quem vinha pela frente pelas trilhas por onde circulávamos. Os cães “ofendidos” (palavra daquele tempo = mordidos) eram sumariamente mortos e muitas casas, preventivamente, os eliminavam para evitar o contágio. Caso nosso.

Daí a minha lembrança trágica, embora nunca tenha visto um cachorro louco. Muito novo ainda, mais ou menos entre 7 a 10 anos, vi meu pai saindo com um machado, indo em direção ao Laporte, nosso cão amigo. Só vi a cena de meu pai enterrando-o no quintal, todo ensanguentado e com a cabeça rachada. Era o mês de agosto!

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