O Verso e o Controverso

O Mercosul

26 de Julho de 2023, por João Magalhães 0

Com o novo governo, o Mercosul volta aos noticiários e, acho, continuará por um certo tempo, pois, o presidente Lula assumiu sua presidência no dia 4 de julho passado e anseia por ampliá-lo e trabalha para integrá-lo também com a União Europeia. Tem base constitucional para isso, pois a nossa Constituição de 1988 no artigo 40, parágrafo único, reza: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”

A integração com a União Europeia também tem fundamento. Em 1995, foram publicadas as bases para um acordo. Cito o Artigo 4º sobre os objetivos: “As partes comprometem-se a intensificar as suas relações para fomentar o incremento e a diversificação das suas trocas comerciais, preparar a futura liberalização progressiva e reciproca das trocas e criar condições que favoreçam o estabelecimento da Associação Inter-regional, tendo em conta a sensibilidade de certos produtos e em conformidade com a OMC (Organização Mundial do Comércio)”.

Minha fonte para este escrito é Vamireh Chacon, professor, escritor e cientista político pernambucano, cujo livro “O Mercosul - A Integração Econômica Da América Latina” andei relendo. Como ele escreve na introdução, “As integrações econômicas são atualmente uma tendência mundial, mas elas não podem ser limitadas apenas à economia. Para consumar-se, precisam de bases culturais e de projeções ou, pelo menos, de implicações políticas. Essa é a lição da integração mais bem realizada até agora: a da Europa ocidental. A integração da América Latina não foge à regra”.

Apesar de seus conflitos internos, ela, a América Latina, vem se superando com a criação da Aliança Latino-americana de Livre Comércio (ALAC) e Aliança Latino-americana de Desenvolvimento Integrado (ALADI). Em março de 1991, os “Estados partes”; República Argentina, República Federativa do Brasil, República do Paraguai e República Oriental do Uruguai, considerando a necessidade de ampliação de seus mercados nacionais, assinam um acordo – Tratado de Assunção - com seis capítulos e 24 artigos. Criam o Mercosul, conforme o art. 1º: “Os Estados-Partes decidem constituir um Mercado Comum que deverá ser estabelecido a 31 de dezembro de 1994 e que se denominará “Mercado Comum do Sul”

No mesmo ano (1991), o Protocolo de Ouro Preto, assinado pelos presidentes dos Estados- Partes, estabelece as decisões políticas criando o Conselho do Mercado Comum, conforme os artigos seguintes. Art.3º: “O Conselho do Mercado Comum é o órgão superior do Mercosul, ao qual incumbe a condução política do processo de integração e a tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e para lograr a constituição final do Mercado Comum”. Artigo 4º: “O Conselho do Mercado Comum será integrado pelos ministros das relações exteriores e pelos ministros da Economia ou seus equivalentes dos Estados-Partes”. Artigo 5º: “A presidência do Conselho do Mercado Comum será exercida por rotação dos Estados-Partes em ordem alfabética pelo período de seis meses”. Artigo 34º: “O Mercosul terá personalidade jurídica internacional”. Artigo 48º: “Os idiomas oficiais do Mercosul são o espanhol e o português. A versão oficial dos documentos de trabalho será a do idioma do país sede de cada reunião...”

O Tratado de Assunção também oferece uma abertura para outros países latino-americanos entrarem no Mercosul, mediante negociação (art. 29).

A opinião de Vamireh quando escreveu: “O futuro decidirá este e os próximos rumos. As novas gerações brasileiras precisam acompanhar esta marcha e sobre ela se pronunciar, de modo objetivo e bem informado” é também a minha. Sou de opinião que o revigoramento do Mercosul e sua conexão com outras associações mercadológicas é muito importante para o Brasil. Precisamos entender como ele funciona. Por isso esta coluna, que é opinativa e aprecia muito sua opinião, abordou o tema.

É o que penso. E você?

Um novo encontro com Machado de Assis: as gralhas

28 de Junho de 2023, por João Magalhães 0

Numa perspectiva de ver, julgar e agir, a filosofia desta coluna “O verso e o controverso” é biobjetiva. Posicionar-se opinativamente frente a temas que se julgam ter importância nas diversas áreas sociais, sobretudo os polêmicos ou controversos e estimular o leitor a fazer o mesmo.

Ia, portanto, abordar o assunto em debate atualmente no Brasil, que é responsabilizar as assim chamadas big techs pela publicação de fakenews, discursos de ódio, estímulo à violência, pregações racistas, preconceitos, desrespeito a direitos humanos etc. Tudo isso em nome de liberdade de expressão. Proibir ou punir, segundo muitas opiniões, é censurar.

Não precisei fazê-lo, pois o jornalista e vereador Fernando Chaves já tratou muito bem do assunto na edição de maio e concordo totalmente com a opinião dele.

Escrevi novo encontro porque tive outros com Machado de Assis: quando li seus contos, quando li seus romances, quando li seus poemas. Agora encontro-me com ele, lendo suas crônicas, seus artigos, suas críticas teatrais publicadas no jornal “O Espelho”.

Coincidência com o nosso JL: o pequeno jornal tinha apenas 12 páginas! Circulou uma vez por semana, entre 4 de setembro de 1859 a 8 de janeiro de 1860. Foram apenas 19 números, mas acolheu como jornalista o moço Machado de Assis, que seria um dos maiores escritores do Brasil (com apenas 20 anos!).

Sua crônica “As gralhas sociais”, de 18 de dezembro de 1859, impressionou-me por demais, tal sua atualidade. Parece escrita hoje. Partilho com o leitor partes dessa crônica.

“Todos conhecem a fábula e o despimento público das penas que o pavão reclamava e a gralha tinha tomado”. Fábula atribuída a Esopo, fabulista grego de existência duvidosa aí pelo século IV antes de Cristo.

Como não sei se todos a conhecem, reproduzo-a na versão de La Fontaine por ser mais sucinta, embora pessoalmente prefira a versão de Monteiro Lobato.

“Morreu um pavão. Uma gralha pegou as plumas dele e se vestiu com elas. Depois foi pavonear-se entre os companheiros do defunto, fingindo ser um deles. Porém, alguém a reconheceu e ela foi vaiada, humilhada, desplumada, expulsa pelos pavões, e teve de se refugiar entre os seus. O que tampouco a ajudou, pois também a rejeitaram. Há muitas gralhas no mundo que se adornam com bens alheios. Chamam-se imitadores. Eu me calo, não quero aborrecê-los: nada tenho a ver com eles”.

Agora o Machado: “Há diferentes espécies de gralha: a gralha política, a gralha literária, a gralha científica. São espécies cardeais; todas as mais são raios que partem deste foco central”. A crônica alonga-se, comentando as gralhas políticas e literárias e afirma apenas que a gralha científica segue o mesmo processo das outras. Eu acrescentaria também a gralha religiosa.

E Machado continua: “As primeiras penas que a gralha política veste é o sufrágio popular: apoiada por uma ata adulterada, faz-se ser objeto do voto público e com os primeiros louros cívicos de um pavão iludido, abre voo para as poltronas do respectivo areópago. Com esta aurora da vida pública não é de esperar que a gralha política tome outra norma. Enfeitada gradualmente a cada degrau que sobe quando chega ao cimo, a gralha política pode ser tudo menos o indivíduo primitivo” O leitor conhece alguma gralha política de hoje? Eu conheço algumas.

E prossegue: “A gralha literária apresentando as mesmas linhas fisionômicas difere da gralha política em ter mais limitada influência. Vivem da glória alheia. A gralha literária é mais fácil de conhecer que a outra: é que não sabe arrancar as penas ao pavão”. Lembro-me, faz tempo, de Luís Fernando Veríssimo falar, numa rara entrevista, que estava cansado de dizer pela Internet que estavam quase copiando textos dele! Novamente Machado: “Ora, o plágio está hoje introduzido por todos os pontos da sociedade. Até já se furtam os vícios.”

Quanto às gralhas religiosas, que acho que se devem acrescentar, leitores antenados nos tempos modernos saberão identificá-las. Muitos falsos profetas estão emplumando-se de símbolos religiosos, aproveitando-se deles e interpretando-os a seu modo por interesses escusos!

Nosso Jornal das Lajes, parabéns pelo seu aniversário de vinte anos!

24 de Maio de 2023, por João Magalhães 0

Os parabéns vão agora porque eu estava ausente daqui. Em 2003, Denilson Daher, fundador do JL, encontrou-se comigo e deu-me o exemplar nº 1 (abril de 2003) e perguntou se eu podia fazer a revisão com possíveis correções dos textos para o próximo número. Fizemos juntos a revisão e ele perguntou logo em seguida se eu poderia escrever o editorial do próximo exemplar. Aceitei com prazer, porque já tinha um pouco de experiência, pois coordenei a edição mimeografada de uma revista, “Vozes do Pio XII”, enquanto ela durou. Pio XII era o seminário maior dos padres camilianos, onde cursamos filosofia e teologia.

Para parabenizar e comemorar os 20 anos de nosso JL, optei por transcrever o editorial que escrevi para o nº 2 (maio de 2003), por seu valor para a história do jornal.

“Lembrando a nossos leitores o que dizíamos em nosso primeiro editorial, o jornal nascia, empunhando duas bandeiras muito importantes: a bandeira da imparcialidade e a bandeira da cidadania atuante.

Chegamos ao 2º mês de vida com a mesma proposta, com idêntico entusiasmo: noticiar, comentar, elogiar, incentivar, sugerir, promover os bons eventos e as coisas positivas de nosso município, mas igualmente alertar, apontar, denunciar, cobrar dos responsáveis as falhas que sempre acontecem na sociedade dos homens. Este 2º número cumpre bem esta incumbência dentro de nosso limitado espaço.

E para tanto só nos cabe agradecer a nossos patrocinadores, sem os quais não existiríamos. Graças a eles já crescemos de 4 páginas para 8.

Nossos agradecimentos a todos que se disponibilizaram para conosco. De modo particular aos proprietários da Fazenda das Éguas, que tão bem acolheram nossa reportagem, despedindo-se de nós com aquele gostoso cafezinho mineiro com biscoito frito na bicentenária cozinha: ao professor Adriano, que coordenou a visita, ao prof. João Magalhães(*) que nos levou de carro graciosamente; à professora Luzia, diretora da Escola Estadual Assis Resende; ao Róbson Souza, “gerex”[gerente executivo] do Banco do Brasil; ao sr. Valcides, conhecido escultor de nossa terra: ao Dr. Joaquim de Souza Lima, presidente da Rádio Inconfidentes FM; ao Dr. Donizetti, meritíssimo Juiz de Direito, os quais nos recepcionaram tão afavelmente.

Agradecemos também ao estudante Ígor Maia Moreira pela ajuda prestada na busca de novos patrocinadores; ao vereador Cristiano Moreira pela verificação que fez do relatório da câmara”.

Com o decorrer do tempo, devido a sessões como “Gente que fez e faz história”, “Benzedores e curadores da região”, “Jogo aberto”, “Os “turcos”em Resende Costa”, [na realidade, são sírios e libaneses, apelidados de turcos porque emigravam para a América com passaporte turco, uma vez que o Império Otomano dominava a região deles], as colunas tornaram-se cada vez numerosas; as notícias da região e tantas outras matérias, a popularidade e o prestígio de nosso jornal só foram crescendo. Chegou ao constrangimento de não atender pedidos para publicar textos, devido à falta de espaço.

Nunca vi um jornal voluntário e gratuito com tal longevidade e com tanto conteúdo e procura. O sucesso foi grande. Para citar alguns exemplos: O texto sobre o benzedor Emídio do Bengo virou música (“Deus na terra” – dupla Lourenço e Lourival, versos do Didico Vieira). A série sobre os “turcos em Resende Costa chegou até ao Líbano. A página do texto sobre o Zé Padeiro ficou colada por um certo tempo na sala da residência de um dos seus filhos.

O periódico tornou-se até hoje um documento histórico de nossa cidade. Quem quiser saber de tudo que aconteceu aqui de importante, de 2003 para cá, basta consultar o JL. Posso afirmar porque tenho todos os exemplares. Do nº 1 ao 240.

É o que penso. E você?

 

(*) Agradeço ao Denilson pelo que publicou abaixo do editorial que escrevi a seu pedido.  “Agradecimento Especial: A equipe do Jornal agradece de forma especial ao Prof. João Evangelista de Magalhães que muito nos ajudou, em todo momento, para a publicação desta edição”.

A função social e religiosa das Irmandades Católicas

26 de Abril de 2023, por João Magalhães 0

Membro da tradicional Irmandade do Santíssimo Sacramento de Resende Costa carregando a cruz na Procissão do Encontro (foto Thiago Morandi)

Quando estas linhas chegarem aos olhos do leitor, as vivências comemorativas da Semana Santa já terão passado. No entanto, como o auge da atuação das irmandades católicas acontece durante esta semana, cabe um comentário sobre a importância delas.

A base deste comentário está numa leitura recente do livro “As três Igrejas dos Homens Pretos de São Paulo de Piratininga”, de Fabrício Forganes Santos, publicado pelo Museu de Arte Sacra de São Paulo. Fabrício é mestre em arquitetura e urbanismo e ministra cursos e palestras nesse museu sobre suas pesquisas e estudos, que são a presença negra no urbanismo brasileiro, sobretudo os lugares do catolicismo negro. Ele é membro da Comunidade do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França – SP.

Quando li a dedicatória, a citação no prefácio, as referências bibliográficas e os anos de pesquisa, confesso que o livro me cativou. Dedicatória: “Aos malungos devotos da Senhora do Rosário, de [santa] Efigênia e [santo] Elesbão e de São Benedito. Salve eles!”. Malungo, palavra muito usada nas línguas bantas com uma ampla semântica, conforme as pesquisas: companheiro, colega de infortúnios, correntes de ferro que prendiam os escravos, aquele que teria vindo no mesmo tumbeiro, vínculo afetivo pela mesma nacionalidade, nascido no mesmo ano que outra pessoa. E muitos outros significados. Basta consultar o “Novo Dicionário Banto do Brasil”, de Nei Lopes.

Até hoje chamo de malungo a quem tem a minha idade. Influência de meu avô materno Joaquim Sérgio de Mendonça (Padrim Quinca). Ele sabia várias palavras da língua dos negros que foram escravos de seu avô por conviver com eles na infância.

Citação de Luiz Gama no prefácio: “Em nós, até a cor é um delito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime. Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade”.

Luiz Gama (1830-1882) viveu na carne as agruras da escravidão, pois, embora nascido de pais alforriados, foi vendido como escravo pelo pai antes dos 10 anos! Mais tarde, sofre as consequências do preconceito racial, impedido que foi pelos alunos de se matricular na faculdade de direito do largo de São Francisco, hoje USP. Porém, não conseguiram impedir que se tornasse advogado por autodidatismo, que atuasse na concessão de liberdade a muitos escravos e fosse um dos maiores líderes da abolição da escravatura, a ponto de ser considerado seu patrono.

Algumas linhas sobre as inúmeras irmandades católicas. Acrescento também as Confrarias e as Ordens Terceiras, mas antes preciso explicar a igualdade e a diferença entre elas. As três eram formadas por leigos. Confraria é uma associação informal com o propósito de fazer caridade. Quando se constituía formalmente como pessoa jurídica, registrada e regida por estatutos, chamava-se Irmandade. As Ordens Terceiras são associações de leigos católicos vinculadas às tradicionais ordens religiosas medievais: Franciscanos, Carmelitas e Dominicanos. A devoção a seu santo padroeiro é seu fundamento e motivação.

O valor dessas instituições leigas para o catolicismo, historicamente, sempre foi enorme e modernamente ainda o é, acho eu. Posso afirmar, pois quando assumi e exerci por 6 anos o vicariato da Paróquia de São Benedito da Vila Sônia, em São Paulo, as três irmandades – São Benedito, Nossa Senhora de Fátima e Apostolado da Oração – colaboraram intensamente para os projetos de evangelização.

Historicamente eram meios de cristianização dos pagãos. Na época da colonização europeia, pagãos eram os negros na África e os índios na América. Na linguagem atual, os povos originários.

Forneciam mão-de-obra para as construções religiosas, igrejas, capelas, casas paroquiais e cemitérios. Cuidavam de Santas Casas de Misericórdia e outras obras de benemerência ou, até mesmo, fundavam-nas. Garantiam e garantem a frequência nos ritos litúrgicos. Promoviam e promovem festividades religiosas que movimentam as comunidades. Empenhavam-se e empenham-se na manutenção dos templos. Ajudavam e ajudam as entidades de inserção social.

Enfim, as irmandades catalisavam os anseios materiais e/ou espirituais dos variados grupos sociais.

É o que penso. E você?

“Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) deixa o humanismo como herança”

29 de Marco de 2023, por João Magalhães 0

Entre aspas porque faz parte do discurso de Sobral Pinto, que emocionou a todos no enterro de seu grande amigo. Na série sobre os grandes humanistas brasileiros, já escrevi sobre ele, Sobral Pinto; também sobre Graciliano Ramos, Dom Paulo Evaristo Arns. Agora, Alceu Amoroso Lima. Era para ser na edição de agosto deste ano, lembrando os 40 anos de sua “partida”, mas como o futuro ninguém sabe, resolvi antecipar. Nunca esqueci da frase de Dom Inácio Accyoly, abade do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro: “Alceu, ao céu”.

Tristão de Athayde foi e será uma das intensas admirações minhas. Ainda fazendo o colegial (atualmente 2º grau) no seminário, lendo sobre Jackson de Figueiredo, soube sobre sua conversão ao catolicismo.  Depois caiu em minhas mãos seu livro (comigo até hoje): “Quadro Sintético da Literatura Brasileira”.  Mais tarde, já formado em Letras e lecionando literatura brasileira até me aposentar, ele foi um dos meus autores guia.

O último contato pessoal com ele foi no auditório do jornal Folha de São Paulo, onde ele era articulista. Ele ia dar uma palestra. Corri para assistir. Não havia lugar nem para uma mosca! O porteiro só me deixou entrar com a condição de ficar sentando no chão do palco. Foi um privilégio. Assisti à palestra a dois metros à frente dele.

Para mim, Alceu Amoroso Lima foi dos maiores vultos que o Brasil já teve. Escrever sobre ele é muito difícil e Leandro Garcia Rodrigues, em seu recente livro “Alceu Amoroso Lima - cultura, religião e vida literária” (Edusp 2012 (*)), confirma isso: “Falar de Alceu é realmente complicado e desafiador. Ele teve várias faces: crítico literário, crítico cultural, poeta bissexto, professor, ensaísta, advogado, filósofo, teólogo e outras mais – para ficar apenas no campo profissional, há ainda outras da sua dimensão pessoal”.

Prefiro, por conseguinte, mostrar ao leitor a comoção nacional que foi sua morte, num domingo, 14 de agosto de 1983, através dos jornais que publicavam seus textos. Consegui todos: O Estado de S. Paulo (já era assinante) – Folha de S. Paulo – O Globo – Jornal do Brasil. Tenho-os até hoje.

As manchetes, as narrativas, os artigos, as presenças no velório e na missa de corpo presente, o cortejo até o cemitério São João Batista acompanhado pelos batedores da Polícia Militar, os discursos à beira do túmulo, os depoimentos, os cânticos gregorianos dos monges etc.dão ideia de sua importância para o Brasil.

Marcaram presença no velório, ou missa, ou sepultamento dezenas de religiosos: dois cardeais (entre eles Dom Eugenio Sales), cinco bispos (entre eles Dom Luciano Mendes de Almeida, na época secretário da CNBB), como o mostra a missa de corpo presente celebrada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e concelebrada por cinco bispos e 26 sacerdotes, com pregação do abade Dom Marcos Barbosa. Além dos monges beneditinos.

Dezenas de políticos das mais variadas tendências, como os governadores Leonel Brizola e Franco Motoro, Francelino Pereira, Magalhães Pinto, Paulo Brossard, Darcy Ribeiro, o ex-secretário geral do Partido Comunista, Luís Carlos Prestes, e até o general Lira Tavares, ex-integrante da junta militar que governou o país, em 1969.

Dezenas de escritores e presidentes de academias, historiadores, reitores de faculdade: Austregésilo de Athaíde, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Abgar Renault, Origines Lessa, Viana Mogg, Antônio Houaiss, Antônio Carlos Vilaça, Cândido Mendes de Almeida, José Honório Rodrigues, Vivaldi Moreira, presidente da Academia Mineira de Letras.

Muito artigos nos jornais. Entre eles destaco o de Frei Betto, na Folha, o deArtur da Távola (nome literário do saudoso Paulo Alberto, do programa na TV Quem tem medo da música clássica?”), no Globo e o de Drummond no Jornal do Brasil.

Muitos depoimentos: Aureliano Chaves, presidente da República em exercício; Tancredo Neves, governador de Minas; Hélio Silva, historiador; Luís Viana Filho, senador; André Franco Montoro, governador de São Paulo; Sobral Pinto, advogado; José Honório Rodrigues, historiador.

Fecho com o depoimento do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, que realça minha grande admiração: “Após o golpe de 1964, poucas vozes se faziam ouvir no Brasil. Mas o próprio Castello Branco se declarou discípulo de Alceu e por isso não calaram também Alceu. E desde então ele sempre bateu na mesma tecla da democracia, liberdade e participação do povo. Devemos a Alceu a esperança de muita gente, e muitos pensamentos autoritários mudaram após conhecê-lo”.

É o que penso. E você?

 

(*) Agradeço a Elaine Martins (Laninha) por colocar à minha disposição o livro do Leandro sobre Alceu.