O Verso e o Controverso

Fevereiro de 2023: convém refletir sobre a Constituição Nacional

01 de Marco de 2023, por João Magalhães 0

O aniversário de 132 anos da promulgação de nossa primeira Constituição republicana, 24 de fevereiro de 1891, e o nome do segundo mês de nosso calendário, fevereiro, motivaram-me neste comentário sobre a Constituição Federal, tão ferida, conspurcada, desrespeitada, alterada em benefício próprio pelos recentes poderes Legislativo e Executivo.

Fevereiro, em latim februarius, por causa do deus Februus, da mitologia etrusca. Os etruscos eram um povo que habitava ampla região da Península Itálica e que foi absorvido pelo poderio de Roma por volta do século III antes de Cristo. Mas há uma hipótese de que seja de origem dos sabinos, outro povo que está envolvido na formação de Roma. Basta lembrar a lenda do “rapto das sabinas”.

O deus Februus, em Roma também nomeado como Plutão, era associado à morte e à purificação. Nessa época do ano, correspondente ao mês de fevereiro, em sua homenagem eram realizados os sacrifícios e rituais de purificação. As constituições do mundo acabam necessitando de purificação e de morte de suas partes que precisam se adaptar às mudanças sociais.

PEC (Proposta de Emenda Constitucional) é alteração, inclusão de conteúdo, atualização do texto original de uma Constituição sem necessidade de uma assembleia constituinte. Nunca foi tão banalizada como agora no Brasil!!

Toda associação tem seus princípios, suas normas, sua organização, seus organogramas que garantam sua finalidade, dá solidez e segurança à sua direção e disciplina o comportamento ético de seus membros ou dos que usufruem de suas benesses. Tudo isso é codificado em sua Constituição ou Regra.

As Associações Religiosas - no mundo católico as irmandades, as confrarias as congregações e ordens de padres e freiras etc. - todas têm sua Constituição ou Regras, como se usa nomear. Algumas ficaram famosas, pois orientam até hoje a formação religioso-disciplinar de muitos Institutos, como a Regra Monacal de São Bento, a de São Francisco de Assis, a de São Domingos de Gusmão, a de São Camilo de Lellis etc.

Tomo como explicação uma Constituição pouco conhecida, mas com grande influência na espiritualidade cristã: a Regra da Comunidade de Taizé (pronuncia-se Tézê). 

Em minhas mãos neste instante, transcrevo alguns itens que a fundamentam: a Oração – a Refeição – o Conselho da Comunidade – a Ordem – o Trabalho, – o Repouso – a Palavra de Deus – o Silêncio interior – a Alegria – a Simplicidade – a Misericórdia – o Celibato – a Comunhão com Deus – o Prior – os Irmãos em missão – os Novos irmãos – os Hóspedes etc.

A Comunidade de Taizé, cidade francesa na Borgonha, foi fundada pelo irmão Roger Schutz e seus companheiros. Usando as palavras do professor Felipe Aquino (em “Você ouviu falar de Taizé?), “Movido pelo desejo de propiciar a reconciliação entre cristãos e, em constituir a partir de 1940 uma comunidade dedicada à oração, ao trabalho e ao acolhimento de visitantes ou peregrinos. Tem uma característica fundamental para os dias de hoje de nosso Brasil: o Ecumenismo que acolhe pessoas de todosos sexos, credo e nacionalidade. A obra encontrou resistência durante os seus primeiros anos, nos ambientes protestantes. Hoje, porém, goza de estima e do apoio tanto dos protestantes como dos católicos; os Papas João XXIII e Paulo VI têm lhe dado eloquentes testemunhos de benevolência”. Roger foi prior deste mosteiro protestante até sua trágica morte. Foi assassinado no dia 16 de agosto de 2005 por uma mulher romena que o apunhalou várias vezes durante a oração da noite.

 Os países todos têm sua Constituição com seus princípios baseados em seus costumes, sua etnia, sua religião, seus livros sagrados, como a Torá para os Hebreus, o Corão para os Islâmicos. Não se trata, porém, de imutabilidade das Constituições. Tudo evolui e se transforma. Faz parte da vida. Frequentemente, há necessidade de modificações e reformas. No entanto, o que se condena é a banalização, as mudanças para interesses individuais escusos e até para o escape de responsabilidades.

A Constituição Nacional de 1988 tem cláusulas pétreas (artigo 60 § 4º). São elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. Dispositivos constitucionais que não podem ser alterados nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Cláusulas intocáveis e inatacáveis!

 É o que penso. E você?

Janeiro de 2023: a porta da esperança

26 de Janeiro de 2023, por João Magalhães 0

Neste novo ano iniciante há que se cultivar a Esperança.  Esperança de que as outras duas virtudes teologais, suas gêmeas, Fé e Caridade, voltem a ser praticadas. Uma vida sem esperança é desespero. O desespero que leva ao desânimo da descrença, à desilusão, à marginalização, à depressão e às vezes até ao suicídio.

Escrevendo sobre Esperança, impossível não se lembrar do cardeal dom Paulo Evaristo Arns. Sobretudo para quem acompanhou a carreira dele por esse mundo e, principalmente, trabalhou com ele na pastoral, meu caso. Seu núcleo de pregação e atuação sempre foi a Esperança, como o mostra o lema de seu brasão: “De Spe in Spem”, da Esperança para a Esperança. Ou seja, aumentar cada vez mais seu grau de espera. Lutar para que as coisas melhorem. Meditar sobre o modo de conseguir que isso aconteça. A virtude da Esperança precisa ser exercida e professada em nossas vidas e corações.

Nosso mundo já vinha desumanizando-se com mentes totalitárias e ditatoriais assumindo o poder; infelizmente, em alguns países, através do voto. O ser humano vale pouco para as ditaduras. A pandemia virótica bagunçou tudo: desemprego, perda do poder econômico, inflação, fome, carência de vacinas, etc.

A esperança pressupõe fé no sentido de crença. Se você não acredita que o real pode mudar para melhor, não vai fazer nada para que isso se realize.

Quanto à fé nos dogmas e ensinamentos, que são o fundamento das religiões, convém refletir sobre as palavras escritas pelo papa emérito Bento XVI na encíclica “Deus Charitas est” (Deus é amor), Natal de 2005. Parece uma profecia: “Num mundo em que ao nome de Deus se associa, às vezes, à vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência, esta mensagem (Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele) é de grande atualidade e de significado muito concreto”.

Aqueles que tentam gerar engajamento político por meio da religião ignoram um dos pontos centrais do cristianismo. O uso de religião para fins político-eleitorais acho absolutamente condenável.

Novamente Bento XVI: “Pertence à estrutura fundamental do cristianismo a distinção entre o que é de César e o que é de Deus, isto é, a distinção entre Estado e Igreja ou, como diz o Concílio Vaticano II, a autonomia das realidades temporais. O Estado não pode impor a religião, mas deve garantir a liberdade da mesma e a paz entre os aderentes das diversas religiões”.

São palavras muito incisivas. Separação entre Igreja e Estado Democrático de Direito não é circunstancial. Faz parte da estrutura fundamental de ambos. Esta talvez seja a tarefa mais importante: redescobrir a radical relação entre religião e a dimensão humana da existência.

Como Jesus Cristo pregou, o sábado está a serviço do ser humano e não o contrário. Uma compreensão renovada do religioso é encarar a democracia como um dos princípios básicos do cristianismo. Ou seja, a defesa da dignidade humana, a descoberta da verdade, seja ela religiosa, ética, filosófica ou científica.

Cristianismo não é imposição nem prevalência sobre as demais crenças. Muito menos desprezo por outras fés. É diálogo. É ecumenismo: trabalhar juntos por boas causas.

Esperança pressupõe Caridade no sentido de amparar os carentes em suas necessidades básicas, muito enfatizadas na teologia católica das obras de misericórdia:  1 - dar de comer a quem tem fome; 2 - dar de beber a quem ter sede; 3 - vestir os nus; 4 - dar abrigo aos peregrinos; 5 - assistir aos enfermos; 6 - visitar os presos; 7 - enterrar os mortos.

Sem a prática delas, a meu ver, não adianta insistir nas, assim chamadas, obras de misericórdia espirituais: instruir; aconselhar, consolar, confortar, perdoar, suportar com paciência e rogar pelos vivos e pelos mortos.

O país mudou de governo. A esperança é que o Estado brasileiro fortaleça suas estruturas constitucionais e os novos integrantes dos poderes Executivo e Legislativo executem suas promessas feitas na campanha eleitoral.

Resumindo: que as obras de misericórdia acima nomeadas sejam efetivamente um dever de Estado.“ Guarda o amor e o direito e espera sempre no teu Deus” (Oseias12,7)

É o que penso. E você?

A arte homenageando os falecidos

23 de Novembro de 2022, por João Magalhães 0

Quando estas linhas chegarem aos olhos do leitor, o Dia de Finados (2 de novembro) já terá passado. Contudo, o mês de novembro marca-se pelo costume praticamente universal de culto aos falecidos.

Embora os locais de lembrança mais intensa, os cemitérios, tenham modificado muito e a pandemia de Covid-19 forçado muito esta modificação, impedindo até a despedida última dos familiares, acho que um modo de homenagear nossos antepassados levados pela morte talvez seja curtir as maravilhas da arte funerária: arquitetura, escultura, literatura e música.

Há cemitérios que são verdadeiros museus ao ar livre. Dos que conheço, cito especialmente o Cemitério da Consolação e o Cemitério São Paulo, em São Paulo capital; o Cemitério do Imigrante, em Joinville; o Cemitério de Praga (e aproveito para aconselhar a leitura do romance do saudoso Umberto Eco com o mesmo título), que vi só pelo portão de entrada por causa do tempo; e, é claro, a catacumba de São Calixto, em Roma.

Se você curte literatura, ao visitar um campo santo veja os epitáfios – do grego “epi” (posição superior) e “tafos” (túmulo ou tumba). Epitáfio: frase colocada sobre o túmulo, lápide ou monumento funerário para homenagear a pessoa que morreu.

Há epitáfios para todo gosto: poéticos, engraçados, piedosos, descritivos, históricos... Muitos em latim, como este no túmulo de um sacerdote: “Pascebat amore, ore, re” (apascentava com o amor, com a palavra e com a ação); ou este escrito pelo José Procópio, um dos maiores latinistas que Resende Costa teve, no túmulo de seus familiares aqui no cemitério de baixo, num latim clássico e poético que acho uma raridade: “Parentes, interitu adempti, quae inhabitatis nunc, non licet ire nisi ad astra, praeces  (Pais, arrebatados pela morte, onde habitais agora, não é lícito ir senão pelos astros, [nossas] preces).

Este é o epitáfio que dom Pedro Casaldáliga quis que se colocasse em sua tumba no Cemitério dos Excluídos de São Félix do Araguaia: “Para descansar/ eu quero só/ esta cruz de pau/ com chuva e sol/estes sete palmos/ e a Ressurreição”.

No cemitério São Paulo, dito acima, você lê até um soneto clássico, num italiano perfeito, saudando uma mãe ali sepultada.

Que tal, fazer uma visita, ouvindo o espetacular “Epitáfio”, dos Titãs?

Para os aficionados em arquitetura, há túmulos muito bem desenhados, até um ou outro mausoléu e os túmulos-capela; para os fãs de escultura, obras de artistas famosos, como Brecheret, Emendabilli, Bruno Giorgi no cemitério da Consolação, em São Paulo, e tantos outros.

E a música? Difícil achar um ouvinte de música sacra que não tenha se emocionado com algum dos numerosos “réquiens”.

E estendo tudo isso às maravilhosas necrópoles das irmandades de cidades históricas de nossa Minas Gerais

Tempos bem longínquos, quando ainda em sala de aula, lecionando Literatura, levava os alunos a visitar os cemitérios-museus de São Paulo. Para isso, fiz um curso de arte tumular com o especialista no tema, professor Délio Freire dos Santos.

Como a arte tumular trabalha muito com a simbologia, transcrevo da apostila do curso uma lista desses símbolos.  Poderá ajudar o leitor numa visita. Muitos deles tiveram origem na simbologia cristã. Anjo: mensageiro de Deus. Ampulheta: tempo inexorável. Âncora: esperança. Coluna: vida. Concha: apostolado, batismo, remissão dos pecados. Cornucópia: riqueza. Livro: pureza. Tíbias cruzadas: a morte.Tochas: voltadas para baixo, morte; para cima, vida. Santíssima Trindade: Jesus, Maria, José. Triângulo: signo trinitário. XP: Xispisto – a Cristo, em grego. Cachorro: fidelidade. Coruja: sabedoria. Elefante: mansidão. Galo: vigilância. Morcego: incredulidade. Serpente: ódio, inveja, profissão, luxúria. Leão: vigilância. Abelha: trabalho. Águia: glória. Pelicano: amor materno, ressurreição. Pomba: paz, castidade. Coroa de louros: martírio. Girassol: realeza de Cristo. Palma: castidade, alegria, martírio. Papoula: sono eterno. Trevo (ou Trigo): pão divino. Olho deDeus: o que tudo vê. Compasso: cada coisa tem que ser feita a seu tempo, no giro do compasso. Esquadro: retidão de conduta. Esfera: universo. Foice: a que põe termo à vida. Martelo e pregos: crucificação. Alfa e ômega: primeira e última letras do alfabeto grego, o princípio e o fim. Chama: luz de vida. Lírio: pureza. Pira fumegante: homenagem à glória. Vela: vida

É o que penso. E você?

Datas comemorativas de outubro

25 de Outubro de 2022, por João Magalhães 0

Hoje em dia, há dias comemorativos para tudo e para todos e o mês de outubro é muito rico nessas datas: Dia da Criança; do Professor; de Nossa Senhora Aparecida; do Idoso; do Dentista; da Abelha; da Natureza; da Promulgação da Constituição de 1988; do Atletismo; do Vendedor; do Compositor; do Prefeito; do Deficiente Físico; do Pintor; do Poeta; do Paraquedista; do Aviador; do Servidor Público; do Folclore; das Bruxas (Halloween); da Fundação da Cruz Vermelha etc.

Antes de falar sobre algumas datas pouco comemoradas, como o Dia do Idoso, o Dia da Fundação da Cruz Vermelha e o dia da Promulgação da Constituição Brasileira de 1988, convém destacar o Outubro Rosa – campanha realizada mundialmente para conscientizar a população sobre o diagnóstico precoce do câncer de mama. O laço rosa, símbolo do movimento para incentivar essa prevenção, precisa ser divulgado.

Outras datas, como o Dia Mundial da Alimentação (16/10), o Dia da Vacinação (17/10) e o Dia da Criação da Cruz Vermelha são oportunidades para uma conscientização nossa de cidadãos acerca da situação de nosso país: fome grassando, pessoas não vacinadas, sobretudo crianças.

Quanto ao Dia da Fundação da Cruz Vermelha: importante lembrar-se do grande humanitário suíço Jean Henri Dunant, vendo as barbaridades na batalha de Solferino em 24 de junho de 1869 na Itália. A Cruz Vermelha é instituição internacional sem vinculação estatal que atua em defesa de pessoas em situação de vulnerabilidade causada por fenômenos adversos, como inundações, terremotos, tsunâmis e, sobremaneira, pelos conflitos armados (a guerra da Rússia contra a Ucrânia que o diga). Entidade muito cara a mim, pois fui professor por dez anos na escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, filial São Paulo.

O Dia Internacional do Idoso é comemorado anualmente no dia primeiro de outubro. A data foi instituída pela ONU (Organização Mundial das Nações Unidas) em 1991, com o objetivo de sensibilizar a sociedade para questões do envelhecimento e da necessidade de proteger e cuidar da população idosa. A mensagem desse dia é a de passar mais carinho, cuidado, respeito e atenção a essas pessoas, muitas vezes esquecidas e até exploradas pela sociedade e pela própria família. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais nos países em desenvolvimento, ou com 65 anos ou mais em países desenvolvidos.

O Brasil tem uma boa legislação de proteção ao idoso, que é o Estatuto do Idoso, mas a prática anda longe, bem longe!

Dia 20 de outubro é o Dia do Poeta. Origem: em 20/10/1976, na casa do jornalista, romancista, pintor e também poeta (veja “Juca Mulato”), Paulo Menotti Del Picchia, surgia o Movimento Poético Nacional. A data homenageia e lembra esse momento para os poetas do Brasil, incluindo, portanto, os poetas de Resende Costa.

Minha homenagem especial, nessa data, vai para o franciscano frei Gotardo Boom, que foi vigário da paróquia de Ritápolis. Poeta, deixou um soneto: “Saudação a Resende Costa”, que reproduzo.

 

“Mira esta cidade serrana, assentada sobre uma laje/ Uma “urbe” construída num monte, não ficará escondida/ Como Jerusalém e Diamantina sempre uma imagem/ Dum farol, como arco de paz, constante ascendida.

Palco ilustre de preclaros inconfidentes mineiros/ Não de um, mas de dois, pai e filho juntamente/ Hás de falar por todos os séculos dos pioneiros/ Da liberdade tardia, que jamais esmaece justamente/

Antes de ambos partirem para o longínquo degredo/ Ouro debaixo dos botões a esposa lhes costurava/ Deste modo fidelidade e coragem singular inspirava/

Resende Costa aprumada para o alto te elevas/ Teu povo, joelhos na laje, mãos para o céu sustenta/ Como Moisés na batalha, a vitória no peito acalenta”.

 

Escreveu esse soneto em Ritápolis, no dia 26 de outubro de 1968. O frei merece elogio. Dentro de uma forma difícil, pois, curta, fixa, rimada e travada do soneto clássico, transmitiu aspectos bem significativos de nossa cidade, com chave de ouro e tudo!

É o que penso. E você?

“Maritê”, de Stela Vale e Alair Coêlho: impressões de uma leitura

21 de Setembro de 2022, por João Magalhães 0

Pelo que conheço, reconhecendo, porém, que posso estar desatualizado, Resende Costa prima por ter muitos bons poetas (alguns poetando até num latim clássico, como no caso de Miled Hannas e no de José Procópio), muitos memorialistas, muitos cronistas, muitos historiadores, mas poucos contistas, novelistas e romancistas.

Na realidade, só conheço o Evaldo Balbino, com seu excelente “Fios de Ícaro”, e o Alai Coêlho, com seus “Casos e causos do vovô Totonho da Chapada” e “Embuçado, agente da Conjuração Mineira”. Agora, “Maritê”, de Stela Vale Lara e Alair Coêlho de Resende. Se o leitor conhecer outros mais, por favor, atualize-me.

Ao modo de alguns clubes de leitura, partilho com o leitor algumas impressões que a leitura de “Maritê” deixou em mim. Não é uma análise literária e sim impressões bem pessoais, lembrando o princípio de Santo Tomás de Aquino (1225-1274); “tudo o que se recebe, recebe-se ao modo do recipiente” (quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur).

“Maritê”, escrito a 4 mãos, mas com simbiose perfeita, como escreve Vivien Gonzaga e Silva no prefácio, remeteu-me ao primeiro livro que li quando aprendi a ler no Assis Resende – 1947 –,  cujo título jamais se apagou em mim: “Contos pátrios”. Escrito por Olavo Bilac e Coelho Neto, portanto a 4 mãos. Só bem mais tarde, trabalhando com literatura, consegui distinguir os textos de Bilac e os de Coelho Neto. Com “Maritê” foi mais fácil, pois já conhecia o teor do Alair em seus escritos publicados.

Minha leitura emoldura “Maritê” num quadro de romance histórico sobre nossa Resende Costa. Ela aparece na descrição das serras, dos morros, dos córregos e cachoeiras, dos seus locais urbanos mais frequentados (“quatro cantos”), das viagens a São João del-Rei, dos institutos onde os remediados iam estudar: os internatos de São João del-Rei e o Caraça, dos ritos de batizados, casamentos e primeira comunhão, das festas religiosas etc.

A excelência dos textos descritivos, como a Serra da Jiboia, a tempestade que dociliza o Sultão, os carros de boi levando as mudanças para as casas alugadas na Semana Santa e muitos outros, a meu gosto, marca o livro e cumpre bem uma das finalidades da descrição, segundo o xará do protagonista Alonso Schokel, S.J: “Provocar em nossa imaginação uma impressão equivalente à impressão sensível”.

Com uma agradável e fácil narrativa, através da Roncador, fazenda semelhante a outras fazendas do município, informa ao leitor jovem como era a vida numa grande fazenda colonial mineira, como era a formação educacional, a vida social.

Como escreveu o jornalista argentino Tomás Eloy Martinez, “talvez a maior maravilha do livro seja sua capacidade de transfiguração, de ser primeiro a voz que vai se enriquecendo ao passar de geração para geração, até que alguém, com medo de que a voz se perca nos ventos do tempo, ordena retê-la em páginas manuscritas para que seja mais tarde folha impressa.” Stela e Alair o fizeram e com muito talento.

Os contemporâneos, ou seja, os que nasceram e cresceram na época da narrativa (tempo do enunciado), sobretudo na roça, terão suas lembranças bem excitadas. É o meu caso. Revivi o sítio em que fui criado, as visitas aos meus tios na Restinga, Pintos, Água Limpa, Jabuticaba e tantos outros.

Os não contemporâneos terão uma noção do meio de vida, dos comportamentos, do lazer e até das fofocas de seus antepassados.

Outra impressão muito positiva da leitura é o estilo dos dois narradores, adotando as características do nosso Romantismo literário, lembrando até explicitamente Bernardo Guimarães (1825-1884) com seu “O Seminarista”.

Mais ainda os temas e características do Arcadismo mineiro: aproveitar o presente sem se preocupar com o futuro (“carpe diem”); contenção frente aos acontecimentos e uma vida equilibrada, sem exageros (“aurea mediocritas”); comunhão com os lugares agradáveis da natureza, sobretudo o bucolismo dos campos (“locus amoenus”). 

Loas também para o livro sob o aspecto editorial: apresentação gráfica, capa e fotos ilustrativas.

É o que eu acho. E você?