O Verso e o Controverso

Cecília Meireles e seu “Romanceiro da Inconfidência”

31 de Julho de 2024, por João Magalhães 1

Em novembro deste ano, faz 60 anos que Cecília Meireles deixou nosso mundo. Nasceu em 1901. Faleceu em 1964. Devido à importância de suas obras, sobretudo o “Romanceiro da Inconfidência”, merece esta homenagem.

Meu primeiro contato com sua obra é antigo. No ano em que a FUVEST indicava obras de escritores que seriam objeto de questões no vestibular, a obra dela foi indicada como um dos livros. Nós, professores de literatura, tínhamos que preparar os alunos.

Quando comprei, da Editora Nova Aguilar, o livro que contém sua obra poética, fiquei fã do “Romanceiro da Inconfidência” por muitos motivos. Entre eles: gosto pessoal e ancestralidade. Afinal, a cidade onde nasci, Resende Costa (antigo Arraial da Laje) e que tem este jornal com esta coluna, é berço de dois inconfidentes (os Resende Costa pai e filho).

O professor Antônio Medina Rodrigues, de quem fui aluno no curso preparatório para o concurso de efetivo no ensino oficial do Estado de São Paulo, diz o seguinte na análise que fez do “Romanceiro” (Oesp 19/05/94): “De início vem a época e o ambiente, seguidos da conspiração e do fracasso dos inconfidentes; depois vem a morte de Cláudio [Manuel da Costa] e Tiradentes e depois a desgraça de Gonzaga [Tomás Antônio] e Alvarenga Peixoto [Inácio}, e finalmente encerra o Romanceiro com o quadro de tara e debilidade composto por D. Maria. Não é o caso de perguntar se tudo isso não vem a ser uma história versificada, em vez de ser realmente poesia? Claro que não. Tudo isso é boa poesia que contém história (o contrário não vale).”

Antes de apresentar um exemplo, uma explicação para um leitor pouco habituado. O romance é uma forma de verso de tradição ibérica que se estende pela América Latina, de origem muito antiga, desde a Idade Média, transmitido por tradição oral. Versos em redondilha maior (7 sílabas poéticas) ou menor (5 sílabas). Eis um exemplo do “Romanceiro” de Cecília Meireles (na minha contagem, são 85 romances), só um trecho do romance XXXVI: Das sentinelas para o leitor ter uma ideia: “De noite e de dia/por todos lados,/ caminham dois homens,/que vão disfarçados,/pois são granadeiros/e sendo soldados/ alguém lhes permite/bigodes raspados./Ai, pobre do Alferes,/que gira inocente,/sonhando outro mundo,/amando outra gente.../Vai jogando sonhos:/lúdica semente!/brotam sentinelas,/miseravelmente”.

Mais tarde, lecionando literatura infantil para 4º ano de magistério no Colégio Stella Maris, Cecília Meireles era uma escritora que fazia parte do meu programa por causa de seu livro de poemas infantis: “Ou isto ou aquilo”. São 18 poemas. Apresento um: “Jogo de bola: A bela bola/rola:/a bela bola do Raul./Bola amarela,/a da Arabela./A do Raul,/azul/Rola a amarela/e pula a azul/A bola é mole/é mole e rola/A bola é bela/é bela e pura/É bela, rola e pula,/é mole, amarela, azul./A de Raul é de Arabela,/e a de Arabela é de Raul.” Aliás, quando professora primária, criou a primeira biblioteca infantil.

Ouvi, numa destas vídeo-aulas na internet, que ela foi a primeira mulher a abandonar o termo poetisa e usar o termo a poeta, por achar que poetisa diminui o papel da mulher na literatura. Em sua época havia poucas mulheres poetas.

Nem todo mundo conhece sua trajetória, por isso resolvi escrever. A meu ver, sua atuação, suas crônicas, suas traduções e seu gênio poético inseriram definitivamente Cecília Meireles no grupo da poesia moderna portuguesa ao lado de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes e agora Adélia Prado.

A prova disso é que grandes escritores ou críticos literários, como Mario de Andrade incluindo-a no modernismo; Menotti del Picchia; sobre o inconsciente na poesia; Paulo Rónai; sobre as tendências recentes da poesia; João Gaspar Simões, sobre poesia musical; Murilo Mendes e outros publicaram na imprensa comentários muito elogiosos quando seus livros eram lançados. Destaque para o comentário de Murilo Mendes sobre poesia social quando foi publicado “O romanceiro da Inconfidência” (1953).

É o que penso. E você?

Da série Os humanistas: Dom Mauro Morelli (*17/9/1935 / + 10/09/2023)

26 de Junho de 2024, por João Magalhães 0

Dom Mauro Morelli e o Papa Francisco (foto Vatican News)

Era já para eu ter escrito sobre Dom Mauro, com quem me relacionei muito, e minha grande admiração, cujo falecimento em setembro de 2024 fará um ano. Assuntos mais prementes e tratamentos de saúde aconselharam-me a adiar.

Na minha cabeça, o dito do dramaturgo latino Terêncio, que morreu com 25 anos, voltando da Grécia, no ano 159 antes de Cristo: “Senectus ipsa morbus est” (a velhice em si própria é uma doença). É verdade. Pela velhice, os órgãos vão desgastando. Daí a causa mortis de um idoso relativamente sadio: falência múltipla dos órgãos. Portanto, com a idade avançada, não perca tempo, vai fazendo suas coisas, pois os achaques vão chegando. É o meu caso. Em outubro, agora,chego aos 85 anos!

Terêncio deixou também uma outra frase: “Homo sum et nihil humani a me alienum puto” (Sou ser humano e julgo que nada de humano me pode ser estranho, indiferente). A meu ver, tornou-se o lema do autêntico humanismo e inspirou-me a série sobre os grandes humanistas nacionais para esta coluna: Graciliano Ramos, Sobral Pinto, Tristão de Athaíde, Dom Paulo Evaristo Arns etc. Agora Dom Mauro Morelli.

Escrevendo sobre Dom Mauro, infelizmente falecido ano passado, em Belo Horizonte, o leitor me desculpe, pois preciso falar um pouco de mim, quando Dom Mauro era bispo auxiliar de Dom Paulo Evaristo Arns na arquidiocese de São Paulo, capital, junto com Dom Luciano Mendes de Almeida e Dom Angélico Sândalo Bernardino, todos nomeados bispos pelo Papa Paulo VI e sagrados por Dom Paulo Evaristo Arns.

Dom Mauro Morelli era bispo auxiliar responsável pela região sul da capital e eu, então pároco da Paróquia de São Benedito na Vila Sônia, coordenava para ele as paróquias da região da avenida Francisco Morato. Eram 7 paróquias, indo até a cidade de Juquitiba, mais ou menos a 70 quilômetros da Vila Sônia, pela BR 116. Usando o termo moderno, fui um dos seus vigários forâneos.

Naquela época, eu era pároco e professor em dois colégios. Quando me veio a crise sacerdotal, pedi a ele um afastamento de minhas funções eclesiásticas para pensar melhor se continuaria na Igreja ou pediria a dispensa definitiva do clero. Para meu bem e bem da Igreja Católica, optei pela saída definitiva.

Ficou inconformado. Ofereceu-me até um mestrado em sociologia em Lovaina, na Bélgica, por conta da arquidiocese. Como não aceitei, por questões de consciência, ajudou-me em tudo. Só perdemos o contato quando foi nomeado pelo Papa João Paulo II, em 1981, como primeiro bispo da diocese de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

A formação de Dom Mauro foi muito profunda. Nascido em Avanhandava, 1935, foi criado em Penápolis, estado de São Paulo. Fez o seminário menor em Piracicaba, o seminário maior de filosofia no Rio Grande do Sul. Em Viamão, estudou teologia, especializando-se nos Estados Unidos, em Baltimore.

Foi uma vida dedicada a uma Igreja Católica profundamente renovada pelo Concílio Vaticano II, já que foi membro da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) no auge de sua atuação.

Uma vida dedicada às liberdades democráticas. Foram anos de luta, mas envoltos de muito medo, para a libertação dos presos e para cessar as torturas e mortes pela ditadura. Disso sou testemunha, tantas vezes participando de vigílias para que tais práticas cessassem. Dom Mauro fez parte dos bispos chamados “vermelhos” pela ditadura, pois ela afirmava que eles defendiam o comunismo. Além de Dom Mauro, Dom Waldyr Calheiros, Dom Adriano Hipólito, Dom Clemente Isnard, Dom Helder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns.

Uma vida dedicada à diminuição da pobreza, de combate à miséria e à fome. Junto com Herbert José de Sousa (o Betinho), fortaleceu a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela vida. Foi um dos fundadores do Movimento pela Ética na Política.

Na eleição em que se elegeria o presidente Lula, foi cogitado para candidatar-se como vice-presidente da República pelo PT. Além de não aceitar, isso lhe rendeu muitas críticas. No entanto, junto com Frei Betto, trabalhou no programa Fome Zero, do governo, até que a politicagem os fez sair.

Em 2005, o Papa aceitou sua renúncia, tornando-se bispo emérito. Passou a residir em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, pois desejava fazer 80 anos na nascente do rio São Francisco. Sonhava também com uma viagem a Brasília para defender no Congresso Nacional a melhora do Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Assim foi Dom Mauro: grande humanista!

É o que penso. E você?

O Papa Francisco é comunista?!

24 de Abril de 2024, por João Magalhães 0

“Não gosto do Papa Francisco porque ele comunista.” Já ouvi essa afirmação várias vezes. Vem de grupos e o leitor antenado, ou pertence a estes grupos, ou sabe que grupos são esses. Não pretendo citar nomes. Essa afirmação vem até de familiares muito ligados a mim.

Tenho em mãos uma entrevista que o Papa Francisco deu para a revista “Época”, de dezembro de 2013. Além disso, a revista publicou também uma pesquisa encomendada por ela, revelando a sintonia das ruas brasileiras com a abertura da Igreja defendida pelo papa que sacudiu o mundo em 2013.

Segundo a revista, Francisco desperta também a impressão de que parece se divertir com o que faz, algo inaudito para um papa. Fez piada com seu país de origem, logo no primeiro discurso como Francisco: “Foram quase até o fim do mundo para buscar um papa”! E a revista cita também Fernando Altemeyer Junior, professor de teologia na PUC/SP: “O papa entrou nas casas das pessoas. Não é preciso muito distanciamento para afirmar que 2013 ficará gravado com destaque na história da Igreja Católica. Uma história de 2 mil anos, iniciada por Jesus Cristo.” E continua Altemeyer: “Em fevereiro, o papa Bento XVI renunciou – um gesto inédito em mais de cinco séculos. Em março, Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, foi eleito papa – o primeiro de fora da Europa, em mais de 1.000 anos, e o primeiro do Hemisfério Sul. “Aceito a eleição, mesmo sendo um pecador”, foram as primeiras palavras de Bergoglio ao conhecer o resultado do conclave.

Assumir-se pecador seria uma ousadia mesmo para um jovem coroinha. Vindas do Papa Francisco, as palavras sugerem um novo rumo para o catolicismo. Em dez meses, Francisco mudou o discurso e a percepção sobre a Igreja. As notícias sobre escândalos de corrupção e pedofilia deram lugar a exemplos de humildade, mensagens de tolerância e discussões sobre como a Igreja pode se adaptar às mudanças da sociedade”.

Quanto ao fato de ser tachado de comunista, ou marxista, ele mesmo responde à pergunta da revista: “Algumas das passagens da Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho), sua primeira Exortação Apostólica, atraíram críticas de ultraconservadores. Como o senhor se sente ao ser chamado de “marxista”? Responde o Papa Francisco: “O marxismo está errado. Mas conheci marxistas que eram boas pessoas, então não me sinto ofendido”.

Transcrevo algumas declarações do Papa para minha pergunta final. Em audiência na Praça de São Pedro, no Vaticano: “Somos uma Igreja de pecadores”. Na Evangelii Gaudium: “Prefiro uma Igreja ferida, dolorida e suja, porque esteve nas ruas, a uma Igreja empobrecida, por estar confinada e se agarrar a sua própria segurança”.

No voo de retorno ao Vaticano, após a Jornada Mundial da Juventude, no Brasil, em resposta à pergunta de Ilze Scamparini, da TV Globo, proferiu a frase do ano: “Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la”?

Outra declaração de Francisco: “No ano passado, condenei a atitude de sacerdotes que não batizaram filhos de mães solteiras”   

Diz Ivanir dos Santos, 59 anos, babalaô: “Francisco foi o primeiro a se encontrar com um líder do candomblé. Esse gesto tem uma simbologia muito grande. Mostra, logo no início de seu pontificado, a disposição de aproximar a Igreja Católica de outras religiões”.

No Rio de Janeiro, quando o carro do papa errou o caminho e foi cercado por uma multidão eufórica, ele ignorou o apelo dos seguranças. Manteve a janela aberta e apertou a mão do público em sua primeira viagem internacional como líder da Igreja: “Sempre existe o perigo de algum louco fazer alguma coisa, mas a verdadeira loucura é criar um espaço blindado entre o bispo e o povo”, disse: “Prefiro o risco”. Numa favela, parou diante de uma igreja evangélica e, de mãos dadas com pastores, rezou o Pai-Nosso.

Por tudo isso, você ainda continua achando que o Papa Francisco é comunista? Acho uma aberração. Que ele sofra oposição de cardeais da cúria romana é normal, é admissível. Mas considerá-lo comunista, isto não.

É o que penso. E você?

Anjos na Bíblia

27 de Marco de 2024, por João Magalhães 0

Como esta coluna aborda assuntos de concordância da maioria (o verso) e assuntos polêmicos em que muitos discordam (o controverso), muitas pessoas, sabendo quem fui, de vez em quando me perguntam: existem anjos? Existem demônios? Minha resposta é: depende de sua fé.

Como muitas pessoas têm a Bíblia como fundamento de suas crenças, resolvi fazer uma seleção dos momentos em que a Bíblia fala dos anjos bons e dos anjos maus: os demônios, o diabo, belzebu, satanás etc. Digo seleção porque são inúmeros esses momentos e não dá para apresentá-los todos. Quem tem a Bíblia da editora Ave Maria, dos padres claretianos, pode conferir em seu índice bíblico doutrinal, consultando os verbetes “anjo” e “demônio”.

A crença na existência de um mundo espiritual é comum a quase todas as religiões e anjos fazem parte dessa crença, tanto os anjos bons como os maus. O que varia são suas funções, sua hierarquia, seus nomes etc. Eles aparecem nas culturas pagãs como seres divinos ou como seres fantásticos, gênios, fenômenos da natureza e outros mais, cumprindo decretos dos deuses, sendo seus mensageiros.

Nomes dos anjos bons: Miguel (do hebraico mikael, que significa “quem é como Deus?”). É chamado de arcanjo na epístola de São Judas (1,8), que cito: “E, no entanto, o arcanjo Miguel, quando disputava com o diabo, discutindo a respeito do corpo de Moisés, não se atreveu a pronunciar uma sentença injuriosa contra ele[Moisés]”. Arcanjo porque tudo indica que tem uma liderança sobre os outros anjos.

Gabriel (do hebraico gabhri’el, que significa “homem de Deus”). Basta citar o Evangelho segundo Lucas (1.26): “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão chamado José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria”.

Rafael (do hebraico rafa’el, que significa “ele curou”). Aparece, pelo que eu saiba, apenas no livro de Tobias (3,16 e 5,4-27), com quem Tobit, o pai de Tobias, tem uma longa conversa. Tobias está cego e Rafael cura-o da cegueira.

Há também classes ou tipos de Anjos. Querubins: são tipos de guardas celestiais em constante exaltação a Deus. Aparecem logo no primeiro livro da Bíblia. Gênesis 3,24: “Ele baniu o homem e colocou, diante do jardim do Éden, os querubins e a chama da espada fulgurante para guardar o caminho da árvore da vida”. Serafins: são uma classe de anjos muito aproximada dos querubins. Duas vezes descritos pelo profeta Isaías (6,2-3 e 6,6): “ Vi o Senhor sentado sobre um trono alto e elevado. A cauda da sua veste enchia o santuário. Acima dele, em pé, estavam os serafins, cada um com seis asas: com duas cobriam a face, com duas cobriam os pés e com duas voavam... nisto, um dos serafins voou para junto de mim, trazendo nas mãos uma brasa que havia tirado do altar com uma tenaz, com ela tocou-me os lábios...”. Principados, Potestades, Tronos e Domínios: muito citados nas epístolas de São Paulo (Efésios 1,21 e Colossenses 2,10) e também na primeira epístola de São Pedro (3,22). São classes de anjos que ocupam lugares de autoridade entre os seres angelicais. Há uma ideia de certa hierarquia entre esses seres, pois têm funções de chefias ou são príncipes de anjos.

Resta comentar um pouco sobre os anjos no livro mais enigmático e simbólico do Novo Testamento, que é o Apocalipse. Aproveito para aconselhar o leitor com pouca familiaridade com o Apocalipse a introdução que a Bíblia de Jerusalém faz sobre ele. O Apocalipse fala bastante sobre os anjos bons e também sobre os anjos maus (2,9-10; 12,7-12; 14,15; 9,1-11; 16,13-14; 20,7-10).

Cito 12,7-12: “Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas foi derrotado e não se encontrou mais um lugar para eles no céu. Foi expulso o grande Dragão, a antiga serpente, o chamado Diabo ou Satanás, sedutor de toda a terra habitada. Foi expulso para a terra, e seus Anjos foram expulsos com ele”.

Por fim, após lembrar ao leitor o capítulo 13, que fala da besta e seu número (666), que, conforme muitos exegetas, simboliza o Império Romano com seus imperadores perseguidores dos cristãos (talvez o imperador Nero, ou talvez o imperador Domiciano), finalizo com o capítulo 14,6-13, que anuncia a presença de mais de 3 Anjos e citando o versículo 13: Escreve: “felizes os mortos, os que desde agora morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, que descansem de suas fadigas, pois suas obras os acompanham”.

Homenageando um dos maiores poetas do Romantismo brasileiro: Antônio Gonçalves dias (centenário de sua morte)

28 de Fevereiro de 2024, por João Magalhães 0

Nossa cidade se orgulha de ter excelentes poetas. Alguns poetando até em latim. Caso do Miled Hannas e do Zé Procópio. É justo, portanto, que se homenageie um dos maiores poetas, junto com Castro Alves, do Romantismo brasileiro, na minha opinião.

Lamento não ter aqui comigo a mais completa biografia de Gonçalves Dias, escrita por Lúcia Miguel Pereira. E peço desculpas ao leitor por citar muita coisa de memória que, óbvio, pode ter falhas.

Sobre sua biografia, apenas algumas pinceladas. Nos tempos atuais em que os indígenas são tão maltratados, abandonados e muitas vezes mortos, lutando por suas terras originárias, há que se lembrar de Gonçalves Dias, que, junto com José de Alencar, valorizou muito a cultura e os valores indígenas em suas obras literárias. Ele é o fundador da literatura indígena na poesia, como José de Alencar o é na prosa. São pioneiros. Ainda bem que com a nova política atual uma literatura com temas indígenas começa a aparecer!

Nasceu em Caxias, Maranhão, a 10 de agosto de 1823, e aí faleceu, afogado, em três de novembro de 1864, pois o navio francês Ville de Boulogne, no qual regressava de sua terceira viagem à Europa, naufragou no litoral do Maranhão.

Desde estudante de literatura brasileira no colegial, fiquei fascinado por ele. Copiava muitos poemas dele e até decorava alguns, como “Gigante de Pedra”, em que descreve um morro carioca. Cito a primeira estrofe: “Gigante orgulhoso de fero semblante/ Num leito de pedra lá jaz a dormir/ Em duro granito repousa o gigante/ Que os raios somente puderam fundir”.

Como a “Canção do Tamoio” primeira estrofe: “Não chores, meu filho/ Não chores que a vida/ É luta renhida/ Viver é lutar/ A vida é um combate/ Que os fracos abate/ Que os fortes, os bravos, só pode exaltar”.

Como “Y Juca Pirama”, considerado o mais perfeito poema épico indianista da literatura brasileira, desenvolvido em dez cantos, que focaliza o lamento do guerreiro tupi, preso em uma aldeia Timbira. Para quem não tem ideia, apresento duas estâncias: “No meio das tabas de amenos verdores? Cercada de troncos, cobertos de flores/ Alteiam-se os tetos d’altiva nação/ São muitos seus filhos, nos ânimos fortes/ Temíveis na guerra, que em densas coortes/ Assombram das matas a imensa extensão/ São rudes, severos, sedentos de glória/ Já prélios incitam, já cantam vitória/ Já meigos atendem à voz do cantor. São todos Timbiras, guerreiros valentes/ Seu nome lá voa na boca das gentes/ Condão de prodígios, de glória e terror!”

Como o mais conhecido de seus poemas, “A canção do exílio”: (“Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá/ As aves que aqui gorjeiam/ Não gorjeiam como lá/ Nosso céu tem mais estrelas/ Nossas várzeas têm mais flores/ Nossos bosques têm mais vida/ Nossa vida mais amores/ Em cismar, sozinho, à noite, mais prazer encontro lá/ Minha terra tem palmeiras/ Onde canta o sabiá”).

Como “Marabá”: (“Eu vivo sozinha, ninguém me procura/ Acaso feitura não sou de Tupá?/ Se algum homem de mim não se esconde/ Tu és, me responde/ Tu és Marabá”.

Como a “Canção do Piaga” (“Ó guerreiros da Taba/ Ó guerreiros da Tribo Tupi/ Falam deuses nos cantos do Piaga/ Ó guerreiros, meus cantos ouvi/ Esta noite – era a lua já morta – Anhangá me vedava sonhar;/ Eis na horrível caverna, que habito/ Rouca voz começou-me a chamar”).

São alguns exemplos de poemas indigenistas, mas foi um poeta mais amplo. Cantou o amor, a natureza, a pátria, a religião.

Sua grande paixão na vida foi Ana Amélia, mas, por ser mestiço, a família proibiu o casamento. Essa proibição trouxe-lhe penosos sofrimentos, porém inspirou-lhe alguns poemas de amor: “Se se morre de amor”, “Minha vida e meus amores” e o mais célebre deles: “Ainda uma vez – Adeus”, quando o poeta se encontrou com ela em Portugal, ela já casada, em 1854. Eis uma parte da letra: “Enfim te vejo!/ Enfim posso / Curvado a teus pés dizer-te,/ Que não cessei de querer-te/ Pesar de quanto sofri/ Muito penei!,Cruas ânsias/ Dos teus olhos afastado/ Houveram-me acabrunhado/ A não lembrar-me de ti”.

Enfim, Gonçalves Dias foi um grande vulto de sua época. Além de literato, foi jornalista, publicando em vários jornais, fundando uma revista (revista literária Guanabara), professor de latim e História do Brasil no colégio Pedro II e oficial da Secretaria de Negócios Estrangeiros.

É o que penso. E você?